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quarta-feira, 25 de março de 2015

Panis Et Circensis

Panis Et Circensis
Gilberto Gil e Caetano Veloso
1968

"Mas as pessoas na sala de jantar, são ocupadas em nascer e morrer!"

O nome veio do uso errôneo de uma expressão latina, que Décio Pignatari viria chamar de "delicioso provincianismo de vanguarda". A confusão continua até hoje: na edição mais recente do álbum, o nome é grafado como "circencis" na capa, sendo usadas também as formas "circenses" e "circences" na contracapa.

A política do Pão e Circo (Panis Et Circensis) foi criada pelos antigos romanos, que estavam preocupados com a falta de alimento e principalmente de diversão do povo. Segundo os antigos romanos, sem estas duas coisas, era impossível se ver em sociedade e a insatisfação do povo perante os governantes só aumentaria.

Conta a história que sangrentas lutas entre gladiadores foram criadas para divertir o povo, que também recebia pão gratuito durante as lutas.

A canção "Panis Et Circensis", composta por Gilbeto Gil e Caetano Veloso se tornou o grande hino do movimento Tropicália, que estourou no Brasil no final da década de 60 e conseguiu universalizar a linguagem da Música Popular Brasileira com a introdução da guitarra elétrica, do rock psicodélico e das correntes jovens do mundo na época. Foi a união do pop, com o psicodelismo e a estética que deram à música brasileira uma essência que influenciou toda a cultura nacional.

"Panis Et Circensis", interpretada pelos músicos psicodélicos Os Mutantes traz a mensagem do que o movimento pretendida. Com uma letra que diz que as pessoas estão muito acomodadas e não lembram mais que a vida não é apenas nascer e morrer, deram um choque em toda a sociedade. Além disso, o teclado e a guitarra elétrica contribuíram para mostrar que a música brasileira precisava sair um pouco do patamar banquinho-violão, gerando grande euforia e alegrias nos jovens.

A canção é a principal do álbum "Tropicália", que além de Os Mutantes, conta com composições e interpretações de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Gal Costa, Torquato Neto, Tom Zé, entre outros.



Panis Et Circensis

Eu quis cantar,
minha canção iluminada de Sol.
Soltei os panos sobre os mastros no ar,
soltei os tigres e os leões nos quintais.
Mas as pessoas na sala de jantar,
são ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer,
de puro aço luminoso um punhal.
Para matar o meu amor e matei,
às cinco horas na avenida central.
Mas as pessoas na sala de jantar,
são ocupadas em nascer e morrer.

Mandei plantar,
folhas de sonho no jardim do solar.
As folhas sabem procurar pelo sol,
e as raízes procurar, procurar.

Mas as pessoas na sala de jantar
Essas pessoas na sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer


domingo, 2 de novembro de 2014

Alegria, Alegria

Alegria, Alegria
Caetano Veloso
1967

"Alegria, Alegria" é uma canção da autoria de Caetano Veloso que foi um dos marcos iniciais do Movimento Tropicalista em 1967. A música foi lançada, com "Remelexo" no lado B, em 1967 e também integrou o álbum "Caetano Veloso", do mesmo ano. O nome da música veio, por sua vez, de um bordão que o cantor Wilson Simonal utilizava em seu programa na TV Record, "Show Em Si... Monal". O cantor baiano aproveitaria para intitular também de "Alegria, Alegria" seu álbum que foi lançado em novembro de 1967, assim como os próximos três.

A Composição

Caetano Veloso, em parte inspirado pelo sucesso de "A Banda", de Chico Buarque, que havia concorrido no Festival de Música da TV Record do ano anterior, quis compor uma marcha assim como a canção de Chico. Ao mesmo tempo, queria que fosse uma música contemporânea, pop, lidando com elementos da cultura de massa da época.

A letra possui uma estrutura cinematográfica, conforme definiu Décio Pignatari. Trata-se de uma "letra-câmera-na-mão", citando o mote do Cinema Novo. Caetano Veloso ainda incluiu uma pequena citação do livro "As Palavras", de Jean-Paul Sartre: "Nada nos bolsos e nada nas mãos", que acabou virando "Nada no bolso ou nas mãos".

Como a ideia do arranjo incluía guitarras elétricas, Caetano Veloso e seu empresário na época, Guilherme Araújo, convidaram o grupo argentino radicado em São Paulo Beat Boys. O arranjo foi fortemente influenciado pelo trabalho dos Beatles.

"Alegria, Alegria" é considerada a 10ª maior canção brasileira de todos os tempos pela revista Rolling Stone Brasil.

Essa música tem um verso com apologia aos alucinógenos, no verso "sem lenço sem documento" faz ligação ao LSD.

Festival da Record

Apresentada pela primeira vez no Festival da Record daquele ano, a canção chocou os chamados "tradicionalistas" da Música Popular Brasileira devido a simples presença de guitarras. No ambiente político-cultural da época, setores de esquerda classificavam a influência do rock como alienação cultural, o que também foi sentido por Gilberto Gil quando apresentou "Domingo No Parque" no mesmo festival.

Apesar da rejeição inicial, a música acabou conquistando a maior parte da platéia. Acabou se tornando uma das favoritas, com as manifestações favoráveis superando as facções mais nacionalistas. A música acabou chegando em quarto lugar na premiação final.

Com o improvável sucesso de "Alegria, Alegria", Caetano Veloso se tornou de imediato um pop star, febre que só passou após alguns meses, embora a música tenha lançado Caetano Veloso para a fama, e sua carreira posterior só confirmado sua popularidade.



Alegria, Alegria

Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não, por que não...

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Cajuína

Cajuína
Caetano Veloso
1979

Por trás da música "Cajuína" existe uma história comovedora e que serviu de inspiração para o seu autor, o tropicalista Caetano Veloso. O baiano contou, durante uma apresentação em um programa de televisão, que o argumento da letra foi inspirado em um encontro com o pai do compositor, poeta, escritor e jornalista Torquato Neto, um de seus principais parceiros na Tropicália, autor de várias músicas, dentre elas, o clássico "Pra Dizer Adeus", em parceria com  Edu Lobo.

Torquato Neto foi um dos mentores intelectuais do movimento tropicalista, tendo escrito o breviário "Tropicalismo Para Principiantes" onde defendeu a necessidade de criar um pop genuinamente brasileiro. Foi também importante letrista de canções icônicas do movimento como "Geléia Geral", musicada por Gilberto Gil.

No final da década de 60, quatro dias após o Ato Institucional Nº 5 (AI-5) ser decretado, Torquato Neto viajou para Londres, onde morou por um breve período. De volta ao brasil, no início dos anos 70, começou a se isolar, sentindo-se alienado tanto pelo Regime Militar quanto pela "Patrulha Ideológica" de esquerda. Havia rompido com os amigos Tropicalistas e do Cinema Novo, declarava se sentir mais deprimido e, por vontade própria, se internou no Sanatório do Engenho de Dentro, sendo tratado com doses fortes do calmante Mutabon D.

Em 1972, aos 28 anos, Torquato Neto trancou-se no banheiro e ligou o gás, sendo encontrado morto no dia seguinte pela empregada. Deixou um bilhete de despedida que dizia:

"Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Para mim, chega! Não sacudam demais o Thiago que ele pode acordar."

Thiago era o filho de Torquato Neto de três anos de idade.

Caetano Veloso, nesse período, estava afastado do amigo.

No final dos anos 70, excursionando pelo Brasil com o show "Muito", Caetano Veloso chegou à Teresina, cidade natal de Torquato Neto, e recebeu no hotel, a visita do Drº Heli da Rocha, pai do amigo falecido. Caetano Veloso contou como foi esse encontro e como surgiu a inspiração para compor a música "Cajuína":

Torquato Neto e Caetano Veloso
"Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio de Janeiro umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato Neto.
Torquato Neto estava, de certa forma, afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada a Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio de Janeiro, com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool.
Eu não o vira em Londres: Ele estivera na Europa mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso.
No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do Tropicalismo, entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais frequentemente com Chico do que comigo.
Chico e eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato Neto ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste, mas pouco sentimental.
Quando, anos depois, encontrei Drº Heli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durante horas, sem parar. Drº Heli me consolava carinhosamente. Levou-me a sua casa. Dona Salomé, a mãe de Torquato, estava hospitalizada. Então ficamos só ele e eu na casa. Ele não dizia nada. Tirou uma Rosa-Menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquato distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente.
Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Drº Heli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei.
No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi 'Cajuína'."

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Torquato Neto, visite o blog Famosos Que Partiram.



Cajuína

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina.
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina,
Do menino infeliz não se nos ilumina.
Tampouco turva-se a lágrima nordestina,
Apenas a matéria vida era tão fina.
E éramos olharmo-nos intacta retina,
A cajuína cristalina em Teresina.


sábado, 23 de março de 2013

Como Dois e Dois

Como Dois e Dois
Caetano Veloso
1971

"Como Dois e Dois" é uma composição de 1971 de autoria de Caetano Veloso e lançada por Roberto Carlos. Na música Caetano Veloso esclarece em alguns versos que demonstra seus sentimentos em suas canções:

Tudo é igual quando eu canto e sou mudo
Mas eu não minto, não minto,
estou longe e perto
Sinto alegrias tristezas e brinco.

Esclarecendo fatos de que canta sem emoção, na canção ele rebate o fato dizendo entrelinha que pode cantar sem emoção, mas na composição ponha sua emoção.

Mesmo a canção sendo composta em 1971 apenas em 2007 Caetano Veloso a gravou oficialmente no álbum: "Cê - Ao Vivo".

"Como Dois e Dois" foi gravada por Roberto Carlos no estúdio da CBS em St. Louis, EUA, e, não foi por menos, ao se escolher o ritmo "blues", se desejou colocar todos os ingredientes ideológicos que denunciassem a falta de liberdade e expressão imposta pela ditadura do Brasil, e assim temendo qualquer ingerência ou censura no trabalho, Roberto Carlos e sua equipe de produção, não tiveram dúvidas e partiram para os Estados Unidos onde foi feita a gravação, que, curiosamente, contou com uma original banda de blues e um característico coral feminino, mesmo não havendo esse planejamento da equipe.



Como Dois e Dois

Quando você me ouvir cantar
Venha não creia eu não corro perigo
Digo, não digo não ligo, deixo no ar
Eu sigo apenas porque eu gosto de cantar
Tudo vai mal, tudo
Tudo é igual quando eu canto e sou mudo
Mas eu não minto não minto
Estou longe e perto
Sinto alegrias tristezas e brinco

Meu amor
Tudo em volta está deserto tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco

Quando você me ouvir chorar
Tente não cante não conte comigo
Falo, não calo, não falo, deixo sangrar
Algumas lágrimas bastam pra consolar
Tudo vai mal, tudo (Tudo... Tudo... Tudo...)
Tudo mudou não me iludo e contudo
A mesma porta sem trinco, o mesmo teto, o mesmo teto
E a mesma lua a furar nosso zinco

Meu amor
Tudo em volta está deserto tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco 
Meu amor
Tudo em volta está deserto tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco
Meu amor
Tudo em volta está deserto tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco


Fonte: Wikipédia

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sampa

Sampa
Caetano Veloso
1978

Sampa é uma música do LP "Muito - Dentro da Noite Azulada" do ano de 1978, de Caetano Veloso. Música composta por Caetano Veloso para homenagear a cidade de São Paulo, apesar das críticas inseridas na letra.

O cruzamento da Avenida Ipiranga com a Avenida São João deve seu grande reconhecimento à música "Sampa". uma homenagem a cidade paulistana, conhecida por sua garoa característica e pela recepção de um grande número de migrantes, em especial os baianos, como Caetano Veloso.

Apesar de estar presente em um dos álbuns de Caetano Veloso que menos fizeram sucesso (vendeu cerca de 30 mil cópias, apenas) a canção tornou-se uma das mais famosas e pedidas nos shows do cantor e compositor.

O curioso é que em uma cidade com grandes representantes como Os Mutantes e Demônios da Garoa, ninguém conseguiu decifrar São Paulo melhor do que o baiano Caetano Veloso. A obra prima é composta falando das principais características da capital paulista. A poluição, a recepção para os migrantes, as múltiplas culturas e o sonho de quem vem de fora estão presentes na composição.

Quem é paulistano tem orgulho da canção, quem não é, fica com vontade de conhecer Sampa, modo como os paulistanos apelidaram a cidade e que deu título para a canção. Exatamente a realidade.

Quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João, meu coração paulistano não sofre grandes abalos, a não ser por uma leve vontade de gastar quinze minutos com um chopp no terraço do Bar Brahma.

Consta, porém, que não é o que se passa com o coração de quem chega por aqui, sem nada entender. E assim se deu com Caetano Veloso, em 1965, quando, ao lado da irmã Maria Bethânia, viu seu coração vagabundo cruzar palpitante as avenidas que se cruzam e que sua canção ajudou a imortalizar.

Na verdade, a Avenida São João já havia sido imortalizada por cenas de sangue num bar cantadas em "Ronda", de Paulo Vanzolini. Aliás, a frase melódica do último verso de "Ronda""cena de sangue num bar na Avenida São João", é reproduzida na introdução e nos versos finais de cada estrofe de "Sampa"

O compositor paulista não gostou da citação e, a cada rara entrevista que concede, não perde a oportunidade de espinafrar o baiano, acusando-o de plágio. Costuma dizer que "Sampa é puro marketing".

Ao meu ver, é incompreensível a postura do sempre enfático e coerente Paulo Vanzolini, pois ao citar sua música em "Sampa", fica claro que Caetano Veloso considerou "Ronda", que já havia sido gravada por Maria Bethânia, uma canção capaz de traduzir a cidade que ele pretendia homenagear. Trata-se, portanto, também, de uma homenagem a Paulo Vanzolini. Ainda que por tabela.

Mas "Ronda" é, apenas, a primeira homenageada, já que a canção é repleta de citações e homenagens a São Paulo e seus personagens, a começar por Rita Lee, eleita a mais completa tradução da cidade, e sua banda, Os Mutantes, composta por ela e pelos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, responsáveis pela face mais rock'n roll do tropicalismo e da Música Popular Brasileira.

O "avesso do avesso do avesso do avesso" é referência direta ao poeta concretista Décio Pignatari e sua luta pelo avesso. O irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos surgem como "poetas de campos e espaços". É a dura poesia concreta nas esquinas de Caetano Veloso.

Em 1969, na montagem do Teatro Oficina de "Selva das Cidades", de Bertold Brecht, a arquiteta e cenógrafa Lina Bo Bardi colocou meia dúzia de troncos de árvores abatidas para a construção do Minhocão num ringue de boxe. No fim da cena, ironicamente chamada de "Área Verde", os troncos desmoronavam. Caetano Veloso ficou impressionado com a obra do diretor José Celso Martinez Corrêa e, quando compôs "Sampa", rendeu esta homenagem ao teatro paulistano, mencionando as "Oficinas de Florestas" da cidade. Hoje, José Celso defende o fim do Minhocão e a instalação de uma imensa área verde no entorno do teatro, localizado no bairro do Bixiga. Em retribuição à homenagem de Caetano Veloso, tal área será batizada de "Oficina de Florestas".

Ainda que em tempos de aquecimento global São Paulo alterne momentos de estiagem e outros de enchentes, houve um tempo em que São Paulo era conhecida como "terra da garoa". Não seria de se estranhar que os "deuses da chuva" citados em "Sampa" fizessem menção a esta alcunha. O mais provável, porém, é que o termo faça referência ao romance "Deus da Chuva e da Morte", do poeta e compositor paulistano Jorge Mautner, amigo e parceiro de Caetano Veloso, muito próximo ao tropicalismo. Referência para a turma da Tropicália, o livro "PanAmérica", de José Agrippino de Paula, também abocanhou sua citação.

Aliás, impressiona no Tropicalismo, especialmente na obra de Caetano Veloso, a tendência à auto-referência. Será que Narciso acha feio o que não é espelho?

Mas a turma da Bossa Nova também costuma merecer a atenção do bom baiano.

"Johnny, volta pro Rio. São Paulo é o túmulo do samba" - foi o que disse Vinícius de Moraes para Johnny Alf, quando este foi importunado por um cliente da boate La Cave, completamente embriagado. O autor de "Sampa" assinou embaixo da provocação do poeta. O curioso é que este já havia feito, muito antes dessa polêmica, em 1954, por ocasião do IV centenário da cidade, em parceria com Antonio Maria, o belo "Dobrado de Amor a São Paulo", cujo verso final - notem a coincidência - faz o sol encontrar o poeta na Avenida São João. Sempre a São João.

Por fim, quando "Novos Baianos passeiam na tua garoa", faz-se referência ao conjunto musical composto por Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo (hoje, do Brasil), Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão, sempre apoiados pelos meninos da Cor do Som.

Assim, milhões de novos pernambucanos, paraibanos, cearenses  alagoanos, sergipanos e, por que não, baianos, ainda podem curtir São Paulo numa boa. Vêm com outro sonho feliz de cidade. Não há mais garoa, nem lhes sobra muito tempo para o passeio. A força da grana os oprime nas filas, vilas, favelas. Correm entre carros, com suas motocicletas, lutando para não engordarem as mórbidas estatísticas. Aprenderam depressa que o outro nome de "Sampa" é realidade, mas seguem construindo a cidade para que ela um dia se transforme, quem sabe, em suas Áfricas utópicas, seus mais possíveis novos quilombos de Zumbi.



Sampa

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes

E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa