quarta-feira, 22 de abril de 2015

Vingança

Vingança
Lupicínio Rodrigues
1951

"Vingança" é um dos clássicos de Lupicínio Rodrigues, juntamente com "Nunca", inspirados em Mercedes, também conhecida por Dona Carioca.

"Vingança" foi o maior sucesso comercial de Lupicínio Rodrigues. Composta como um desabafo diante da traição de Mercedes, uma de suas muitas namoradas, foi gravada por Linda Batista em 1951 e fez sucesso até no Japão.

Com o dinheiro que ganhou naquele ano, Lupicínio Rodrigues comprou um carro e batizou-o com o mesmo nome da canção.

"Toda vez que uma mulher me trai, eu ganho dinheiro", costumava dizer Lupicínio Rodrigues, afirmando que só escrevia sobre experiências vividas por ele ou por seus amigos. "As mulheres boazinhas nunca me deram dinheiro, só as que me traíram!".

"O Som do Pasquim" (Ed. Desiderata, 2009) é um livro organizado por Tárik de Souza, reunindo algumas antológicas entrevistas que o pessoal do Pasquim, Ziraldo, Jaguar e Henfil, fez com cantores e compositores nos anos 70. Segundo Jaguar, "quando o jornaleco e a MPB estavam no auge, nem a Censura conseguia segurar!".

Uma das entrevistas antológicas foi com Lupicínio Rodrigues, um dos cinco maiores compositores gaúchos de todos os tempos, que contou a história de uma série de suas canções. Lupicínio Rodrigues, pra quem não sabe, foi quem criou a expressão "dor de cotovelo", sendo ainda responsável por classificá-las em dor de cotovelo federal (que só poderia ser curada com embriaguez total),  estadual (suportável, que se ajeitava com o passar do tempo) e  municipal (incapaz até mesmo de inspirar um samba).

Duas das  músicas inspiradas numa "Dor-de-cotovelo Federal"  são "Vingança" e "Nunca" , ambas inspiradas numa mesma mulher. Lupicínio Rodrigues contou ao pasquim a história:

Lupicínio: A mulher que me inspirou "Vingança" viveu comigo seis anos. E depois terminou namorando um garoto que era meu empregado, que tinha 16, 17 anos.
Pasquim: Foi passado pra trás por um garoto de 17 anos?
Lupicínio: Não foi bem assim. É que eu tinha viajado, ela mandou chamar o garoto. Disse que queria falar com ele. Ela mandou um bilhete. O garoto com medo de mim, quando eu cheguei, me entregou o bilhete. Disse: "Olha, a Dona Carioca me mandou esse bilhete. Eu não sabia o que ela queria comigo. Não fui!". Entregou a mulher. Aí eu não disse nada, fiquei quietinho, inventei outra viagem, peguei a mala e fui embora.
Pasquim: Endoidou?
Lupicínio: Era época de carnaval, ela endoidou. Botou um "Dominó". Dominó é aquela fantasia preta que cobre tudo. No carnaval, feito louca, foi me procurar. Uma certa madrugada, ela, num fogo danado - parece que deu fome, entrou num bar onde a gente costumava comer. Foi obrigada a tirar o "Dominó" pra comer, e o pessoal a reconheceu. Perguntaram: "Ué, Carioca, que você está fazendo aqui a essa hora? Cadê o Lupi?".
Pasquim: Carioca por quê? Ela é carioca?
Lupicínio: É sim. Ela é viva, mora aqui. Aí ela começou a chorar. Eu estava num restaurante do outro lado. Uns amigos chegaram e me disseram: "Ô, encontramos a Carioca vestida de 'Dominó', num fogo tremendo. Começou a chorar e perguntar por ti. O que houve, vocês estão brigados?". Aí foi que eu fiz "Vingança". Na mesma hora, comecei, saiu (cantando): "Gostei tanto, tanto, quando me contaram..."
Pasquim: Foi uma ruptura pra valer?
Lupicínio: Eu sou muito amigo dos pais de santo, os batuqueiros lá de Porto Alegre. em cada lugar que chegava ela botava fotografia minha, cabritas, aquele negócio todo para fazer as pazes. Aí eu fiz (canta) "Nunca, nem que o mundo caia sobre mim / Nem se deus mandar nem mesmo assim."
Pasquim: O que essa mulher contribuiu para a Música Popular Brasileira não foi normal.

Quem ouve "Vingança" e "Nunca" percebe o quanto são canções amargas, de mágoa e desamor.

"Vingança" relata justamente um prazer pelo sofrimento do ser outrora amado, mas que não cede à vergonha, que na verdade é o orgulho, o sentimento da honra decorrente de uma traição. E por isso luta internamente, dizendo que, enquanto força houver no peito, o eu-lírico quer apenas vingar-se e querer o mal de quem lhe traíra.

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Lupicínio Rodrigues, visite o blog Famosos Que Partiram.



Vingança

Eu gostei tanto,
tanto, quando me contaram.
Que lhe encontraram
bebendo e chorando
na mesa de um bar.

E que quando os amigos do peito
por mim perguntaram.
Um soluço cortou sua voz,
não lhe deixou falar.

Eu gostei tanto,
tanto, quando me contaram.
Que tive mesmo de fazer esforço
pra ninguém notar.

O remorso talvez seja a causa
do seu desespero.
Você deve estar bem consciente
do que praticou.

Me fazer passar tanta vergonha
com um companheiro.
E a vergonha
é a herança maior que meu pai me deixou.

Mas enquanto houver força em meu peito
eu não quero mais nada.
Só vingança, vingança, vingança
aos santos clamar.

Você há de rolar como as pedras
que rolam na estrada.
Sem ter nunca um cantinho de seu
pra poder descansar.

Mas enquanto houver força em meu peito
eu não quero mais nada.
Só vingança, vingança, vingança
aos santos clamar.

Você há de rolar como as pedras
que rolam na estrada.
Sem ter nunca um cantinho de seu
pra poder descansar.

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