Mostrando postagens com marcador Geraldo Nunes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Geraldo Nunes. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Memórias do Café Nice

Memórias do Café Nice
Geraldo Nunes, Artúlio Reis e Monalisa

Fundado em 18 de agosto de 1928, o Café Nice, situado na avenida Rio Branco, nº 174, ficou aberto durante 26 anos ao público. O ano de fechamento é divergente, nas fontes pesquisadas, 1954/1956. E foi justamente na chamada fase de ouro da Música Popular Brasileira (1928/1946) que a casa reinou. Compositores como Ary Barroso, Mário Lago, Cartola e Noel Rosa faziam parte da clientela do café.

Uma curiosidade do Café Nice: o local foi inaugurado dias depois do surgimento da primeira escola de samba e por suas mesas passaram alguns de seus criadores, entre eles Ismael Silva, Bide e Marçal.

Do lado de fora do Café Nice, ficavam, nas calçadas, as mesas e cadeiras de vime. O interior tinha dois ambientes. Um mais requintado, onde se serviam lanches, chás e bebidas finas, e outro onde eram vendidos cafezinhos, a tradicional média pão com manteiga e bebidas mais simples, local preferido pelos artistas. Foi esse lado do Café Nice que o tornou famoso, uma espécie de sede da música brasileira. Lá rolavam amizades, encontros, contratos, compra e venda de músicas, imperando a conhecida máxima de Sinhô de que "Samba é igual a passarinho, é de quem pegar!".

Nestor Holanda, jornalista e assíduo frequentador do Café Nice, relata que ali se realizava, talvez, o maior mercado de música popular do mundo. As transações se davam a qualquer hora, já que o Café Nice abria cedo e fechava bem tarde. Segundo ele, o pianista e violonista Augusto Vasseur quando estava sem dinheiro ia para o Café Nice, levando lápis e papel de música. Logo aparecia quem precisasse de uma partitura escrita, pela qual cobrava dez cruzeiros, por peça. Se fosse orquestração cobrava bem mais caro, cem cruzeiros.

Assim como ele era comum deparar-se, nas mesas do Café Nice, com músicos como Pixinguinha, Benedito Lacerda, Osvaldo Borba, Guerra Peixe, Raul de Barros transcrevendo melodias para o pentagrama, orquestrando, consultando métricas e melodias. Figura curiosa de gênio analfabeto em música era Lamartine Babo. Afinadíssimo já trazia tudo praticamente pronto na cabeça, mas não sabia colocar no papel, aí a turma do Café Nice resolvia o impasse.

A malandragem, também, corria solta no Café Nice. Conta-se...

"Certa vez o compositor Frazão, que vivia em Paquetá, fez uma melodia na travessia da barca da Cantareira e, chegando ao Rio de Janeiro, foi direto para o Café Nice e pediu ao primeiro músico que encontrou, para escrevê-la. Boêmio e disperso, saiu, em seguida, para uma pescaria com os amigos, por vários dias. Resultado: quando retornou ouviu sua melodia já gravada, em nome de outro, que comprara do tal músico. Por essas e outras é que alguns frequentadores diziam, 'até as paredes do Nice têm ouvidos para roubar idéias...'"

O Café Nice

O que Ary BarrosoNoel RosaCartolaMário LagoPixinguinha e Donga tinham em comum, para além de terem seus nomes gravados entre os maiores mitos da música brasileira? Todos eles frequentavam o extinto Café Nice. O local funcionava como uma espécie de "mercado musical", no qual diversos artistas trocavam experiências e vendiam seu peixe - ou seus sambas. Novas composições, caitituagens e muita conversa fiada rolavam até altas horas da madrugada. Os músicos faziam do lugar um verdadeiro templo. Às vezes, rolava um palpite certeiro para terminar um samba meio encalacrado. Em outras, a oportunidade de ver sua composição na voz daquele astro do rádio da mesa ao lado. Mas tudo no sapatinho, porque, como se dizia, "as paredes do Café Nice têm ouvidos".

Inaugurado em 18/08/1928, na Avenida Rio Branco, 174, o Café Nice nasceu na época em que o Rio de Janeiro completava seu processo de reurbanização, seguindo o modelo parisiense. Portanto, nada a estranhar no nome francês. Havia, na época, toda uma etiqueta - regulada por lei, inclusive, para frequentar o Centro da cidade. Chapéus e paletós eram indispensáveis. Os boêmios também se enquadravam na "linha". A Avenida Rio Branco, construída no começo do século XX, era o palco maior dessa cidade renovada. A localização privilegiada ajudou o Café Nice a ter um lugar de destaque na história carioca até ser fechado em meados da década de 1950.

"Em frente ao Café Nice ficava o Cinema Parisiense. Foi o primeiro a ser instalado na Rio Branco, em 1907. Ao lado ficava o Cineac Trianon. Nesse trecho ainda tinha a Rádio Clube do Brasil e o Theatro Municipal mais à frente. Então, era um ponto de encontro maravilhoso, que teve uma representatividade muito grande na história do Rio de Janeiro, para a boemia e o lazer", conta o radialista e pesquisador Osmar Frazão - apelidado pelo apresentador Flávio Cavalcanti, em cujo programa foi jurado, de "Enciclopédia da Música Popular Brasileira".

Osmar Frazão lembra, com a saudade gravada na voz, uma história presenciada no Café Nice:

"Eu era garotinho em 1944, tinha uns oito anos. Estava sentado ali, com minha família, e Francisco Alves, o Rei da Voz, pediu licença e subiu na nossa mesa. Minha mãe ficou danada da vida. Ele cantou: 'Que Rei sou eu, sem reinado, sem coroa, sem castelo e sem rainha, afinal que rei sou eu?'. Minha mãe aborrecida falou 'por que esse cara subiu nessa mesa, com tantas mesas em outros lugares?' e o meu pai disse: 'Deixa, é meu amigo, 
Francisco Alves, o Rei da Voz.'"

O ambiente era diversificado. Do lado de fora, haviam mesas e cadeiras de vime. Na parte interna, dois espaços diferentes: um mais sofisticado, servindo lanches, chás e bebidas finas; outro, mais popular, com a tradicional média com pão e manteiga, cafezinho e bebidas simples. Este local era o preferido dos intérpretes e compositores.

E por que se dizia que as paredes do Café Nice tinham ouvidos?

"Um tinha medo de que o outro tomasse a música. Tinha gente que não era compositor, mas frequentava o local pela boemia, como o Kid Pepe e o Germano Augusto, que chegaram a assinar algumas canções, o primeiro, por exemplo, é compositor de 'O Orvalho Vem Caindo', em parceria com Noel RosaAté porque, compositor não era profissão. E o direito autoral não sustentava ninguém nesse tempo. Por isso, às vezes, se vendia a parceria para outro. Quando havia uma música boa, alguém oferecia dinheiro em troca do nome no disco.", conta Osmar Frazão.

Outra história clássica do Café Nice envolve o compositor Haroldo Lobo, um dos grandes nomes da música de Carnaval no Brasil. Um de seus parceiros, Nestor de Holanda, teve uma ideia e convidou o mestre para conversar sobre ela no Café Nice. Empolgado, ele mal viu o parceiro e perguntou, já cantarolando: "Rapaz, o que você acha dessa ideia: 'Quem tem culpa tem medo'?"

Malandro mais experiente, Haroldo Lobo, que foi, inclusive, guarda civil, advertiu: "A ideia é ótima, mas vamos falar bem baixinho". Segundo conta Nestor de Holanda, o receio fez com que eles tomassem apenas um cafezinho ali antes de ir para a sede da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) para trabalhar a canção numa sala da instituição. Chegando lá, encontraram o também compositor Zé da Zilda, que mostrou-lhes uma marchinha que estava compondo e que começava com o verso: "Quem tem culpa tem medo…". Perguntado como teve a ideia, disse que tinha sido um velhinho vindo do Café Nice.


Memórias do Café Nice

Ah! Que saudade me dá
Ah! Que saudade me dá
Do bate papo
Do disse-me-disse
Lá do Café Nice
Ah! Que saudade me dá

De Cadillac chegava o Chico Alves
Logo no samba queria entrar
E Ismael só na de pão com manteiga
Até esquecia a nega pra poder ficar
E o samba varava a madrugada
O Café Nice era um pedaço do céu
Num canto batucava João de Barro
Lamartine, Pixinguinha, Almirante e Noel

Ah! Que saudade me dá
Ah! Que saudade me dá
Do bate papo
Do disse-me-disse
Lá do Café Nice
Ah! Que saudade me dá

Caymmi sem barriga e sem madeixas
Mostrava a Carmem o que é que a baiana tem
Ary Barroso no piano reclamava
Que Donga fez um samba que não é de ninguém
E o samba varava a madrugada
O Café Nice amanhecia em festa
Cartola afina a viola
Que pena que agora só a saudade é que resta

Ah! Que saudade me dá
Ah! Que saudade me dá
Do bate papo
Do disse-me-disse
Lá do Café Nice
Ah! Que saudade me dá


Fonte: Café Com a Beth