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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Folhetim

Folhetim
Chico Buarque
1977 / 1978

"Folhetim" foi composta entre os anos de 1977 e 1978 para a peça "Ópera do Malandro", por Chico Buarque.

"Folhetim" focaliza a figura da prostituta que oferece os seus encantos - "Se acaso me quiseres / sou dessas mulheres / que só dizem sim.." -, tema idêntico ao da composição "Love For Sale", de Cole Porter, proibida e depois liberada nos anos 30.

Mesmo antes de terminá-la, para uma personagem da "Ópera do Malandro", Chico Buarque já pensava em entregá-la a Gal Costa para gravar. Assim aconteceu, com Gal Costa cantando-a acompanhada por músicos como Wagner Tiso, Perinho Albuquerque, autor do arranjo, e Jorginho Ferreira da Silva, em criativa intervenção ao sax-alto.

Escrita por Chico Buarque, baseada na "Ópera dos Três Vinténs", de Kurt Weil e Bertolt Brecht, e na "Ópera dos Mendigos", de John Gay, a "Ópera do Malandro" conta a história de dois malandros rivais, Max e Duran, e apresenta uma alentada trilha musical em que se destacam, além de "Folhetim", canções como "Homenagem ao Malandro", "O Meu Amor" e a intrigante "Geni e o Zepelim".

Diga-se de passagem que a "Ópera dos Mendigos", uma sátira à sociedade inglesa do século XVIII, é considerada uma obra revolucionária por ter levado canções populares para o teatro operístico.

Embora seja uma música composta para a peça, Chico Buarque explica que muitas vezes o personagem não era tão claro quanto quem iria cantar.

"Então, às vezes, eu pensava no ator ou na atriz que iria cantar. Mas, às vezes, a atriz que iria cantar cantaria só no teatro, porque não era uma cantora profissional. Então  misturava, na minha cabeça, a encomenda da personagem, a atriz e a cantora que eu gostaria que gravasse aquela música. Assim saíram  canções como "Folhetim", que tinha a cara de Gal Costa e que servia pra personagem!"

Herbert de Souza, o Betinho, foi o primeiro a ouvir a canção, através de  uma ligação telefônica que Chico Buarque e o cartunista Henfil fizeram para o Canadá, onde o sociólogo estava exilado.



Folhetim

Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E, se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades
Direi meias verdades
Sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte
Te afasta de mim
Pois já não vales nada
És página virada
Descartada do meu folhetim


Fonte: Livro 85 anos de Música Brasileira Volume 2, 1ª Edição, 1997, Editora 34

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Apesar de Você

 
Apesar de Você
Chico Buarque
1970

"Apesar de Você" é uma canção escrita e originalmente interpretada pelo cantor e compositor brasileiro Chico Buarque no ano de 1970, lançada inicialmente como compacto simples naquele mesmo ano.

A canção, por lidar implicitamente com a falta de liberdades durante a Ditadura Militar, foi proibida de ser executada pelas rádios brasileiras pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici. No entanto, seria liberada oito anos mais tarde, durante o final do governo de Ernesto Geisel. Além disso, a cantora Clara Nunes, que regravou a canção sem saber de seu tema implícito, viu-se obrigada a se apresentar nas Olimpíadas do Exército de 1971 para compensar o mal-entendido.

Antecedentes

Em março de 1970, Chico Buarque retornou ao Brasil após um auto-exílio de mais de um ano na Itália. Seu retorno foi influenciado por André Midani, diretor de sua gravadora, a Philips, que lhe assegurou "estar melhorando a situação no Brasil". No entanto, a realidade encontrada pelo cantor era bem diferente daquela descrita nas cartas de André Midani.

A tortura e o desaparecimento de pessoas contrárias ao Regime Militar eram frequentes, assim como o ufanismo presente em adesivos de carros como "Brasil, Ame-o Ou Deixe-o" e "Ninguém segura esse País", e em algumas canções populares como "Pra Frente Brasil", que só foi agravado pela conquista do tricampeonato da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 1970.

O cantor externou seu desapontamento na canção, onde a crítica à Ditadura Militar era disfarçada como uma briga entre namorados. Ao enviar a canção para o departamento de censura, Chico Buarque imaginou que a letra da canção seria vetada, mas acabou sendo liberada.

Recepção

A canção foi lançada no formato compacto simples e atingiu a marca de cem mil cópias vendidas. Além disso, o samba estourou nas rádios de todo o país. A canção virou mania nacional e acabou sendo regravada por Clara Nunes em 07/01/1971. Ela também acreditava que a letra da canção se tratava de uma briga entre namorados.

Discurso do deputado do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Lisâneas Maciel, em 1970 na Câmara dos Deputados, sobre a censura feita a canção "Apesar de Você".
Censura

Em fevereiro de 1971, o jornalista Sebastião Nery, do Tribuna da Imprensa, publicou uma nota em sua coluna dizendo que seu filho e os colegas dele cantavam "Apesar de Você" como se estivessem cantando o Hino Nacional Brasileiro. Como resultado, Sebastião Nery foi chamado para depor na polícia. Semanas depois, a execução pública da canção foi vetada pelo governo, que finalmente compreendeu sua mensagem. Os oficiais do Regime Militar invadiram a sede da Philips e destruíram as cópias restantes do disco. O censor que aprovou a canção também foi punido. Os oficiais do governo, no entanto, não destruíram a matriz, o que possibilitou a reedição da versão original da gravação. Num interrogatório, Chico Buarque foi indagado sobre quem era o "você" da letra da canção, e ele respondeu: "É uma mulher muito mandona, muito autoritária!".

A censura de "Apesar de Você" teve um impacto negativo no relacionamento entre Chico Buarque e os censores, que duraria até o final da ditadura. Chico Buarque seria implacavelmente marcado pelos censores, sofrendo suas letras as mais absurdas rejeições. A situação chegou ao ponto de ele se disfarçar, sob os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva, para aprovar três composições, uma das quais, "Acorda Amor", foi incluída no LP "Sinal Fechado" de 1974.

Descoberta a farsa, a censura criou novas exigências: Toda letra apresentada teria que ser acompanhada de cópias da carteira de identidade e do CPF do compositor.

Devido à censura, a canção só seria incluída num álbum do cantor em 1978, quando foi lançada como última faixa de "Chico Buarque" (1978).

Consequências Para Clara Nunes

De maneira semelhante, o presidente da Odeon, Henry Jessen, que era advogado, foi intimado para dar explicações sobre as intenções de Clara Nunes ao regravar a canção. Henry Jessen, que mantinha um ótimo relacionamento com os militares, fez um acordo com o governo para colocar um fim ao mal-entendido e provar que Clara Nunes não teve qualquer intenção político-partidária ao regravar "Apesar de Você". Ficou combinado que a cantora gravaria, num compacto simples, o "Hino das Olimpíadas do Exército", composto por Miguel Gustavo, publicitário responsável por "Pra Frente, Brasil". Também interpretaria a canção na cerimônia de abertura das Olimpíadas do Exército de 1971 em Belo Horizonte. Clara Nunes se apresentou ao lado de Luiz Cláudio, que não esteve ciente do motivo pelo qual seria acompanhado pela cantora.

Assim como Clara Nunes, outros artistas se viram obrigados a fazer publicidade para o governo. Em 1972, Elis Regina foi convocada pelos militares para cantar o Hino Nacional durante as festividades do sesquicentenário da Independência. Isto porque havia declarado à imprensa holandesa que o Brasil era governado por "gorilas". Temendo represálias, aceitou o "convite".

Regravações

Além de Clara Nunes, a canção também seria regravada mais tarde por Maria Bethânia, Benito Di Paula e Beth Carvalho.



Apesar de Você

Amanhã vai ser outro dia! (3x) 

Hoje você é quem manda falou, tá falado não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu?
Você que inventou esse Estado, inventou de inventar toda escuridão.
Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão.

Apesar de você amanhã há de ser outro dia. (Coro)

Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia?
Como vai proibir quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando e a gente se amando sem parar.

Quando chegar o momento esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro!
Todo esse amor reprimido, esse grito contido, esse samba no escuro.
Você que inventou a tristeza agora tenha a fineza de "desinventar".
Você vai pagar, e é dobrado, cada lágrima rolada nesse meu penar.

Apesar de você amanhã há de ser outro dia. (Coro)

Ainda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria.
Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença.
E eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa.

Apesar de você!!!

Apesar de você amanhã há de ser outro dia. (Coro)

Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia.
Como vai se explicar vendo o céu clarear, de repente, impunemente?
Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente?

Apesar de você!!!

Apesar de você amanhã há de ser outro dia. (Coro)

Você vai se dar mal, etc e tal... La, laiá, la laiá, la laiá…

sexta-feira, 22 de março de 2013

A Banda

A Banda
Chico Buarque
1966

"A Banda" é uma canção de 1966 composta e interpretada pelo músico brasileiro Chico Buarque. Foi lançada no primeiro álbum do cantor, "Chico Buarque de Hollanda".  O disco conta com 12 faixas que somam aproximadamente 30 minutos de reprodução.

A música narra um episódio de uma banda musical que desperta a alegria da "gente sofrida" de uma cidade de interior descrita por Chico Buarque ao longo da canção. Após a sua vitória no Festival de Música Popular Brasileira, a música fez um grande sucesso, vendendo 55 mil cópias em apenas quatro dias.

A canção ganhou o Festival de Música Popular Brasileira no mesmo ano de seu lançamento, interpretada por Chico Buarque e Nara Leão. Dividindo o prêmio com a música "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros e interpretada por Jair Rodrigues, em um empate que não foi bem esclarecido à época, "A Banda" ganhou US$ 6.800 como prêmio.



A Banda

Estava à toa na vida
o meu amor me chamou.
Pra ver a banda passar
cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
cantando coisas de amor

Estava à toa na vida
o meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
o que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
em cada canto uma dor
Depois da banda passar
cantando coisas de amor
Depois da banda passar
cantando coisas de amor

Fonte: Wikipédia

segunda-feira, 18 de março de 2013

Cálice

Cálice
Gilberto Gil e Chico Buarque
1973

"Cálice" é uma canção escrita e originalmente interpretada pelos cantores brasileiros Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973. Na canção percebe-se um elaborado jogo de palavras para despistar a censura da ditadura militar. A palavra-título, por exemplo, é cantado pelo coral que acompanha o cantor de forma a soar como um raivoso "Cale-se!". A canção teve sua execução proibida durante anos no Brasil. Só foi lançada em disco em novembro de 1978 no álbum "Chico Buarque", tendo Milton Nascimento nos versos de Gilberto Gil, e também em dezembro no álbum "Álibi" de Maria Bethânia. A cantora Pitty regravou essa canção em 2010, numa versão rock 'n roll.


História

"Cálice" foi composta para o show Phono 73, que a gravadora Phonogram (Ex Philips, e depois Polygram) organizou no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973. O evento reuniria em duplas os maiores nomes de seu elenco, onde deveria ter sido cantada por Gilberto Gil e Chico Buarque.

Gilberto Gil havia composto o refrão "Pai, afasta de mim este cálice / de vinho tinto de sangue", uma óbvia alusão à agonia de Jesus Cristo no Calvário, tendo a ambiguidade (cálice / cale-se) sido imediatamente percebida por Chico Buarque. Gilberto Gil havia composto ainda a primeira estrofe da canção. A partir de dois encontros com Chico Buarque, compôs a melodia e as demais estrofes, quatro no total, sendo a primeira e a terceira de Gilberto Gil e a segunda e a quarta de Chico.

No dia do show, quando os dois começaram a cantar "Cálice" tiveram os microfones desligados. De acordo com Gilberto Gil, a canção havia sido apresentada à censura e eles foram recomendados a não cantá-la. Os dois haviam decidido, então, cantar apenas a melodia da canção, pontuando-a com a palavra "cálice", mas isto também não foi possível.

Segundo o relato do Jornal da Tarde, a Phonogram resolveu cortar o som dos microfones, para evitar que a música, mesmo sem a letra, fosse apresentada. Irritado, Chico Buarque tentou os microfones mais próximos, que também foram cortados em seguida.

A canção foi eventualmente liberada cinco anos depois, tendo sido lançada em novembro de 1978 no álbum "Chico Buarque" ao lado de "Apesar de Você", "O Meu Amor", "Tanto Mar" e outras canções censuradas pelo regime militar. À época, Chico Buarque declarou que aquele não era o tipo de canção que estava compondo pois estava trabalhando no repertório de "Ópera do Malandro", mas que elas deveriam ser registradas, pois a liberação tardia não pagava o prejuízo da proibição. Na gravação, as estrofes de Gilberto Gil, que estava trocando a PolyGram pela WEA, foram interpretadas por Milton Nascimento, fazendo coro com o MPB4, em dramático arranjo de Magro.

Em dezembro do mesmo ano, foi a vez da cantora Maria Bethânia gravar a canção também no seu álbum "Álibi"Maria Bethânia interpretou a canção com a força dramática que já era conhecida como sua marca. A teatralidade da cantora adicionou mais significado em cada palavra interpretada por ela. Um clipe com a performance da cantora foi exibido na época pelo programa "Fantástico" da Rede Globo.



Cálice

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda (Cálice!)
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!)
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno (Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)
Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se!)


Fonte: Wikipédia

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Construção

Construção
Chico Buarque
1971

"Construção" é uma canção do cantor e compositor brasileiro Chico Buarque, lançada em 1971 para seu álbum homônimo. Junto com "Pedro Pedreiro", é considerada uma das canções mais emblemáticas da vertente crítica do compositor, "podendo-se enquadrar como um testemunho doloroso das relações aviltantes entre o capital e o trabalho".

A letra foi composta em versos dodecassílabos, que sempre terminam numa palavra proparoxítona. Os 17 versos da primeira parte (quatro quartetos, acrescidos de um verso-desfecho) são praticamente os mesmos dezessete que compõem a segunda parte, mudando apenas a última palavra. Os arranjos são do maestro Rogério Duprat, em uma melodia repetitiva, desenvolvida inicialmente sobre dois acordes. A música, entretanto, tem harmonia bem mais complexa.

A canção foi feita em um dos períodos mais severos da ditadura militar no Brasil, em meio à censura e à perseguições políticas. Chico Buarque havia retornado da Itália em março de 1970, país onde vivia desde o início de 1969, ao tomar distância voluntária da repressão política brasileira.

Letra e Música

Em um formato tipicamente épico, "Construção" narra a história de um trabalhador da construção civil morto no exercício de sua profissão, em seu último dia de vida, desde a saída de casa para o trabalho ("Beijou sua mulher como se fosse a última") até o momento da queda mortal ("E se acabou no chão feito um pacote flácido").

O narrador observa, organiza e comunica os acontecimentos, ocorridos numa história circular, cantada em melodia reiterativa e que modifica o ângulo de observação a cada repetição da letra com a troca de comparações ("Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/mágicas/flácidas"), mas que no final encaminha para o mesmo fim, uma morte.

A letra contém uma forte crítica à alienação do trabalhador na sociedade capitalista moderna e urbana, reduzido a condição mecânica - intensificado especialmente por seus atos no terceiro bloco da canção ("máquina", "lógico"). Quando esse trabalhador ("um pacote flácido/tímido/bêbado") morre, a constatação é de que sua morte apenas atrapalha o "tráfego", o "público" ou o "sábado".

Ainda assim, Chico Buarque declarou, em entrevista concedida à revista Status, em 1973, que "Construção" não era para ele uma música de denúncia ou protesto.

"(...) Em 'Construção', a emoção estava no jogo de palavras. Agora, se você coloca um ser humano dentro de um jogo de palavras, como se fosse... um tijolo - acaba mexendo com a emoção das pessoas."
(Chico Buarque)

O autor emprega ousados processos de construção poética como, por exemplo, a alternância das proparoxítonas finais, "como se fossem peças de um jogo num tabuleiro", segundo o próprio Chico Buarque. A letra é dividida em três blocos. Nos dois primeiros, compostos por 17 versos, e mais seis no último bloco. Nos dois primeiros blocos é possível perceber o nítido jogo de palavras proparoxítonas criado por Chico Buarque.


No rascunho de "Construção", os versos estavam soltos, mas já dentro de uma métrica e ritmo final. Alguns desses versos foram abandonados: "Pôs pedra sobre pedra até perder o fôlego" / "E o máximo suor por um salário mínimo". Em um rascunho posterior, a melodia sugere o agrupamento dos versos em quadro. E só depois de concluída a primeira parte é que apareceram as alternativas: "Tijolo com tijolo num desenho mágico/lógico", "E flutuou no ar como se fosse um pássaro/sábado", etc.

À complexidade da letra de "Construção", corresponde uma linha de apenas dois acordes, composta pelo maestro Rogério Duprat, que são repetidos à medida que se sucedem as imagens "como se ele tivesse realmente colocando laje sobre laje num edifício". O grupo MPB-4 participa do coro musical. Após o último verso do terceiro bloco, surge uma reprise com três estrofes de "Deus Lhe Pague", canção que abre o disco "Construção".

Crítica

O músico brasileiro Tom Jobim adorava a canção. Segundo seu filho Paulo Jobim, o pai chegou a recortar a letra da canção, publicada em um jornal da época, e a colou em um caderno. Helena Jobim confirma o entusiasmo do irmão: "Comentava a perfeição da letra, em que Chico usa palavras proparoxítonas, com rara maestria".

Conhecido por sua posições de direita, o jornalista David Nasser pôs-se um dia a louvar a canção - para, num trecho do artigo, a falar da insistência nas proparoxítonas, acrescentar mais uma: "Médici, o nosso presidente".

Para Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, "Construção" tem "uma letra extraordinária, de qualidade rara numa canção popular".

Em 2001, o jornal Folha de S.Paulo, em uma enquete realizada com 214 votantes, entre jornalistas, músicos e artistas do Brasil, elegeu "Construção" como a segunda melhor canção brasileira de todos os tempos - atrás de "Águas de Março", de Tom Jobim. Já em uma eleição, em 2009, promovida pela versão brasileira da revista Rolling Stone, "Construção" foi eleita a melhor canção brasileira de todos os tempos.



Construção

Amou daquela vez como se fosse a última 
Beijou sua mulher como se fosse a última 
E cada filho seu como se fosse o único 
E atravessou a rua com seu passo tímido 
Subiu a construção como se fosse máquina 
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas 
Tijolo com tijolo num desenho mágico 
Seus olhos embotados de cimento e lágrima 
Sentou pra descansar como se fosse sábado 
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe 
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago 
Dançou e gargalhou como se ouvisse música 
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado 
E flutuou no ar como se fosse um pássaro 
E se acabou no chão feito um pacote flácido 
Agonizou no meio do passeio público 
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego 

Amou daquela vez como se fosse o último 
Beijou sua mulher como se fosse a única 
E cada filho seu como se fosse o pródigo 
E atravessou a rua com seu passo bêbado 
Subiu a construção como se fosse sólido 
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas 
Tijolo com tijolo num desenho lógico 
Seus olhos embotados de cimento e tráfego 
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe 
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo 
Bebeu e soluçou como se fosse máquina 
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo 
E tropeçou no céu como se ouvisse música 
E flutuou no ar como se fosse sábado 
E se acabou no chão feito um pacote tímido 
Agonizou no meio do passeio náufrago 
Morreu na contramão atrapalhando o público 

Amou daquela vez como se fosse máquina 
Beijou sua mulher como se fosse lógico 
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas 
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro 
E flutuou no ar como se fosse um príncipe 
E se acabou no chão feito um pacote bêbado 
Morreu na contramão atrapalhando o sábado


Fonte: Wikipédia