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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Boas Festas

Boas Festas
Assis Valente
1932

É paradoxal que "Boas Festas", a única música natalina brasileira que deu certo, tenha sido composta pelo baiano Assis Valente, um dos autores mais atormentados da Música Popular Brasileira. Não por acaso, "Boas Festas" é também uma das canções mais tristes entre as que são cantadas nesta época. Não há em sua letra o lirismo ou bom-humor, e até ingenuidade das músicas norte-americanas ou europeias.

É difícil entender a razão de "Boas Festas" competir com "Noite Feliz" (Stille Nacht, Silent NightHeilige Nacht), "White Christmas", e outros clássicos do cancioneiro importado. A canção é de 1932, portanto, agora em 2014 completou 82 anos, e foi lançada, em 1933, por Carlos Galhardo, com acompanhamento da Orquestra Diabos do Céu, regida por Pixinguinha.

Enquanto "Noite Feliz" (Joseph Mohr e Franz Grüber, adaptação de Alberto Ribeiro), por exemplo, evoca o Menino Jesus, paz, sinos bimbalhantes, "Boas Festas" é uma crítica social, um desabafo, amarga, que reflete o que se passava pela cabeça de Assis Valente.

Ele foi mulato pobre, adotado por uma família de brancos do recôncavo baiano, compositor e protético. Em sua música, sinos não bimbalham, gemem, e o Bom Velhinho, só é bom para uns:

Já faz tempo que pedi
mas o meu Papai Noel não vem
com certeza já morreu
ou então felicidade
é brinquedo que não tem


Numa entrevista de 1936, Assis Valente contou como lhe veio a inspiração para "Boas festas":

"Eu morava em Niterói, e passei aquele Natal sozinho. Estava longe dos meus e de todos em uma terra estranha. Era uma criatura esquecida dos demais no mundo alegre do Natal dos outros. Havia em meu quarto isolado, uma estampa simples de uma menina esperando seu presente, com seus sapatinhos sobre a cama. Eu me senti nela. Rezei e pedi. Fiz então Boas festas. Era uma forma de dizer aos outros o que eu sentia. Foi bom, porque de minha infelicidade tirei esta marchinha que fez a felicidade de muita gente. É minha alegria de todos os natais. Esta é a  minha melhor composição!"

Mas por que Assis Valente consideraria "Boas Festas" sua melhor canção? Por ela ser tão confessional? Por virar sua alma pelo avesso? Ou mostrá-la pelo lado correto? Por retratar o homem amargurado, cuja vida tinha uma face oculta, o homossexualismo não assumido? Um compositor que quase sempre cantava a alegria, com letras bem-humoradas, e que foi um dos mais bem-sucedidos do seu tempo.

São de Assis Valente: "Brasil Pandeiro", "Boneca de Pano", "Camisa Listrada", "E o Mundo Não Se Acabou", "Fez Bobagem", "Maria Boa", "Quero Um Samba" (Com Júlio Zamorano), "Uva de Caminhão", para citar umas poucas. Sua grande intérprete foi Carmem Miranda, mas foi gravado por quase todos os astros da era do rádio.

O cronista do cotidiano, das mazelas dos amores feitos, desfeitos, complicados, nunca foi tão abertamente ele próprio quanto em "Boas Festas". Nada mais incisivo do que o Natal para mexer em feridas da alma. Talvez a outra música em que Assis Valente mais fala de si mesmo seja a engraçada "Pão Duro", uma marchinha lançada, em 1946, por Luiz Gonzaga.

Carmen Miranda e Assis Valente
Em dezembro de 1968, Caetano Veloso ousou, diante das câmeras, a lendária interpretação de "Boas Festas", com o AI-5 pairando sobre sua cabeça. Foi a derradeira apresentação do programa tropicalista "Divino Maravilhoso", na TV Record.

Caetano Veloso cantava: "Anoiteceu / o sino gemeu…" segurando um revólver que apontava para a própria cabeça. Assis Valente passou anos, metaforicamente, com um revólver apontado para a cabeça. Em maio de 1941, tentou o suicídio pulando do Corcovado mas, milagrosamente, se salvou, resgatado pelo Corpo de Bombeiros.

Em 11 de março de 1958, tomou veneno com guaraná, e teve uma morte de letra de bolero mexicano,  tombou na relva da Praia do Russel. O repórter Francisco Duarte, que anos mais tarde escreveria, com Dulcinéa Nunes Gomes, a biografia "A Jovialidade Trágica de Assis Valente", passava pelo local, e viu o corpo do compositor, arrodeado por populares. Perguntou a um policial o que havia acontecido. A resposta: "Suicídio. Um protético que tinha laboratório na Cinelândia. Matou-se por dívidas. Parece que se chamava José!"

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Assis Valente visite o blog Famosos Que Partiram.



Boas Festas

Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A felicidade pra você me dar

Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel

Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem


domingo, 24 de março de 2013

Brasil Pandeiro

Brasil Pandeiro
Assis Valente
1940

"Brasil Pandeiro" é um samba-exaltação composto por Assis Valente, onde o autor baiano exalta o samba e o povo brasileiro. Junto a "Recenseamento", havia sido composta especialmente para Carmem Miranda, então recém-chegada dos Estados Unidos.

"Brasil Pandeiro" é quase um hino compatível à "Aquarela do Brasil" que, inclusive, possui um motivo rítmico do acompanhamento repetido na canção de Assis Valente, com intenção de imitar o tamborim, e mostra que a escolha do pandeiro como instrumento enquanto adjetivo da nação eleva a batucada ao patamar de valor cultural relevante, pertencente ao domínio dos personagens do mundo do samba.

Carmem Miranda e Assis Valente
Contexto

Em 1940, chegando dos Estados Unidos ao Brasil, Carmem Miranda, no auge de sua fama, recebeu várias composições. Entre elas, "Recenseamento" e "Brasil Pandeiro", de Assis Valente. Ela gravou "Recenseamento", mas, sobre a outra, disse: "Assis, isso não presta. Você ficou borocoxô!"

Assis Valente ficou magoado, principalmente porque a canção adquiriu grande reputação tardia sob a regravação dos Anjos do Inferno. Anos mais tarde, foi popularizada e regravada pelos Novos Baianos em 1972 no álbum "Acabou Chorare", sob a sugestão do mentor do grupo João Gilberto, mas aí Assis Valente já havia falecido.

A atitude de Carmem Miranda foi criticada por pessoas ligadas ao compositor, como o jornalista Enéas Viany, que em 24/06/1941 escreveu:

"(...) Apesar de minha pouca projeção pessoal, procurei sempre elevar o nome dessa portuguesinha que guardava no peito um coração brasileiro (...). Os Anjos do Inferno gravaram, há pouco, o samba "Brasil Pandeiro", de autoria de Assis Valente, compositor de várias músicas de sucesso e que tentou contra a existência em dias de maio findo, por estar em dificuldade de vida. Essa composição ele reservara para Carmen. Queria presenteá-la como uma homenagem introdutora de alguns de seus hits. Ela examinou a música e recusou. (...) Ingratidão sim! Ainda que o samba estivesse destinado ao fracasso, ela deveria olhar para o passado e aceitá-lo. (...) A pequena dos balangandãs com sua atitude perdeu um amigo brasileiro (...). Não valia grande coisa... Mas é sempre melhor contar com amigos incondicionais... E eu pertencia a essa classe. De agora em diante não mais acreditarei na sua inocência, quando um colega lhe fizer acusações."


Interpretação

A canção, de 1940, faz referência ao sucesso da música brasileira - em especial o samba - que atingia o público norte-americano na voz e nas películas da cantora luso-brasileira Carmem Miranda  um amor antigo do próprio Assis Valente.

E não apenas isto: Assis Valente conclama o brasileiro, eminentemente mestiço, como ele próprio, a reconhecer seus próprios valores, nos versos do poeta, que conclui:

"Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui à Penha e pedi à padroeira para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, pendura a saia que eu quero ver
Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar"

A canção ainda evoca, em forma de oração:

"Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros
Que nós queremos sambar"



Anjos do Inferno

Rejeitada por Carmem Miranda, "Brasil Pandeiro" terminou sendo gravada pela primeira vez pelos Anjos do Inferno, naquele mesmo ano de 1940, para a Colúmbia Discos. Segundo escrevem os autores, a gravação foi "um dos pontos altos dessa produção, embora os próprios contemporâneos do compositor estivessem de acordo em relação aos modestíssimos recursos do seu violão e à voz quase sempre desafinada do autor". De qualquer forma, terminou sendo um dos maiores sucessos do grupo.

Novos Baianos
Novos Baianos

O grupo Novos Baianos regravou a canção em 1972, no álbum "Acabou Chorare". A gravação de "Brasil Pandeiro" pelo grupo foi influenciada pelo músico João Gilberto, que fez-lhes uma visita enquanto estavam no Rio de Janeiro, e, notando seu estilo elétrico, aconselhou-os a levar "o caminho de volta para casa", a encontrarem suas raízes, a "voltarem-se para dentro de si mesmos". Esta sugestão quase espiritual foi dada por João Gilberto junto a proposta de regravarem "Brasil Pandeiro". Como contou Moraes Moreira em 2010:

"Estávamos influenciados pelo rock, ouvíamos muito Jimi Hendrix, Janis Joplin, todas aquelas bandas dos anos 70. Mas foi ali, com o João Gilberto, que a gente acordou para o samba. Quando ele nos mostrou 'Brasil Pandeiro', do Assis Valente - chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar o seu valor -, entendemos qual era a mensagem dele. Começamos a incorporar no nosso som o cavaquinho, o pandeiro, tudo isso, sem perder a pegada do rock. Era samba com energia de rock. Foi isso que fez os Novos Baianos chegar diferente. Fizemos o disco 'Acabou Chorare', foi um marco."

Foi a primeira canção, e a única, do disco sem ser da autoria do grupo que eles gravaram.

Trata-se de uma versão mais carregada com arranjos de craviola de Pepeu Gomes, e vocais que são executados por Baby Consuelo, Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, cada um cantando um verso. A versão dos Novos Baianos é considerada uma das mais bem elaboradas regravações da música. Como escreve Yara Caznok: "Foi uma pena que Assis Valente não tivesse vivido o bastante para desfrutar da gloriosa regravação deles".

Ficha Técnica

Ficha dada por Maria Luiza Kfouri:

  • Baby Consuelo: voz, afoxé
  • Moraes Moreira: voz, violão
  • Paulinho Boca de Cantor: voz, pandeiro
  • Baixinho (José Roberto): bumbo
  • Dadi Carvalho: baixo elétrico
  • Jorginho Gomes: cavaquinho
  • Pepeu Gomes: craviola, violão

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Assis Valente e Carmem Miranda, visite o blog Famosos Que Partiram.



Brasil Pandeiro

Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui a Penha, fui pedir a padroeira para me ajudar

Salve o Morro do Vintém, pendura a saia eu quero ver
Eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar

O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato

Vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará
Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar

Há quem sambe diferente noutras terras, outra gente
Num batuque de matar

Batucada, reunir nossos valores
Pastorinhas e cantores
Expressão que não tem par, ó meu Brasil

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar

Ô, ô, sambar, Ô, ô, sambar... Ô, ô, sambar...


Fonte: Wikipédia