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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Das Duzentas Pra Lá

Das Duzentas Pra Lá
João Nogueira
1972

No início da década de 70, o governo de Emílio Garrastazu Médici assinou um decreto estendendo para 200 milhas o limite do mar territorial brasileiro. Comemorando a medida, em 1972 João Nogueira faria letra e música de "Das Duzentas Pra Lá", que festejava:

Esse mar é meu
leva seu barco pra lá desse mar
tem rede verde-e-amarela
no azul desse mar

Em seu livro, Paulo Cesar de Araújo classifica a música como uma canção adesista:

"Algumas pessoas podem não enxergar assim, só porque foi o João Nogueira, um cara do samba, da raiz, da Música Popular Brasileira, quem gravou a música. Mas me pareceu uma patriotada dele. Se por exemplo os seus autores fossem Dom & Ravel, "Das Duzentas Pra Lá" seria adjetivada de ufanista e eles seriam crucificados."

O aumento da faixa de mar territorial foi bem-recebido por praticamente todos os setores da sociedade brasileira, o que, segundo Paulo Cesar de Araújo, reflete o clima ufanista daqueles tempos. João Nogueira, que morreu em 2000, foi figura atuante no processo de redemocratização do país, participando a partir da década de 80 de campanhas de partidos progressistas, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Leonel Brizola.

Se a música sertaneja de José Mendes apoiava o decreto presidencial de "peitar" os Estados Unidos "na marra", o samba de João Nogueira também dava o seu aval.

A música "Das Duzentas Pra Lá" foi gravada por Eliana Pittman e chegou aos primeiros lugares das paradas de sucesso.

Nas palavras do próprio  João Nogueira:

Mesmo depois que comecei a gravar, eu compunha e dava a músicas para cantores. O cantor me pedia música e eu dava música pra ele.
Aí nessa mesma ocasião eu dei uma música para a Eliana Pittman que fez um grande sucesso. Fez até sucesso internacional. Era uma música que falava da plataforma continental, das duzentas milhas marítimas que o Governo brasileiro tinha implantado.
Até chegaram a me confundir com a turma que fazia música para a Revolução. Mas não era nada disso não porque depois que essa música fez um grande sucesso... isso aí saiu na revista Time... meu samba saiu na revista Time e eu trabalhando na Caixa Econômica. Dizia o seguinte:
Quando o embaixador americano veio ao Brasil para tentar diminuir a extensão da plataforma marítima, o embaixador brasileiro disse o seguinte: Agora já não há mais tempo porque todo o povo brasileiro já canta um samba que diz: "Vá jogar a sua rede das duzentas para lá. Pescador dos olhos verdes vá pescar noutro lugar!"
(João Nogueira - TV Cultura, Programa Ensaio)


Das Duzentas Pra Lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Vá jogar a sua rede das duzentas para lá
Pescador dos olhos verdes
Vá pescar em outro lugar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

E o barquinho vai
Com nome de caboclinha
Vai puxando a sua rede
Da vontade de cantar
Tem rede amarela e verde
No verde azul desse mar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Obrigado seu Doutor pelo acontecimento
Vai ter peixe, camarão
Lagosta que só Deus dá
Pegou bem a sua idéia
Peixe é bom pro pensamento
E a partir desse momento
Meu povo vai pensar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

quarta-feira, 1 de abril de 2015

O Divã

O Divã
Roberto Carlos e Erasmo Carlos
1972

Depois do estupendo disco de 1971, Roberto Carlos deu adeus à música negra norte-americana. Lançou em 1972, o disco, que talvez seja o mais melancólico, porém notável pela qualidade, feito com apuro e proficiência. Mais uma vez os belíssimos arranjos de Jimmy Wisner em "A Janela" e "A Distância" dão o tom do disco. As composições com o parceiro Erasmo Carlos mostram Roberto Carlos maduro, sereno e reflexivo. Ele encanta ao se mostrar encantado observando uma desconhecida grávida em "Você é Linda", emociona qualquer um ao questionar o acidente do qual foi vítima em "O Divã", surpreende com interpretação magistral em "Como Vai Você", de Antônio Marcos e ainda embala nossos sonhos em "Acalanto", de Dorival Caymmi

"O Divã" traz reminiscências da infância com mais referências ao pai, à mãe, aos irmãos e ao momento do acidente que o marcou para sempre:

"Relembro bem a festa, o apito
e na multidão um grito
o sangue no linho branco..."

Trecho no qual lembra o clima festivo que havia em Cachoeiro de Itapemerim antes da tragédia, a chegada do trem, o desespero e a mancha de seu sangue na roupa do homem que o socorreu.

"Fiz essa música quando vivia um momento de muita angústia no Rio de Janeiro, era um momento difícil. Fiquei lá quarenta dias e por uma série de razões depois voltei a São Paulo. Deitei no divã porque era um desafio!"
(Roberto Carlos)

Na época, o cantor não fazia análise, mas fantasiou isto na música, especialmente no trecho:

"eu venho aqui, me deito e falo pra você que só me escuta..."

Numa entrevista a Ronaldo Bôscoli, em 1977, o cantor afirmou que todos esses acontecimentos o fizeram amadurecer precocemente.

"Muito cedo tive contato com situações violentas, duras. Bicho, eu tenho quase setenta anos. Quando do meu desastre, perdi uns quinze anos. Depois, naquela noite fria da Holanda quando eu e Nice fomos tentar recuperar a visão do meu filho, perdi outros quinze. Envelheci quinze anos numa sala de espera. Foi o maior sentimento de impotência e solidão que senti na vida. Maior mesmo que o acidente que sofri tão menino!"

Talvez por tudo isso muitos vejam estampado no seu rosto uma indelével, indescritível, profunda e incorrigível tristeza, que é reforçada pelas próprias fotos de capa de seus álbuns, nas quais, em sua maioria, ele se exibe com um olhar muito melancólico, num semblante que parece de uma tristeza milenar.

Nesta casa nasceu e morou até os 13 anos, Roberto Carlos Braga, com deus pais Laura e Robertino, e seus irmãos Norma, Carlos Alberto e Lauro. 
A Infância e "O Divã"

O caçula Roberto Carlos Braga nasceu no dia do índio, 19/04/1941, às 5:00 hs, pesando 2,250 kg e medindo 42cm. A família morava na Rua Índios Crenaques, coincidência que o garoto gostava de comentar com seus colegas na escola. Essa rua que mais tarde teve seu nome mudado para João de Deus Madureira era mais conhecida mesmo por Rua da Biquinha, porque ali há uma bica de água natural muito utilizada pelos moradores. Embora estreita, sem saída e sem calçamento, é uma rua próxima do centro da cidade, começando ao pé da linha do trem da Leopoldina e terminando ao pé do Morro do Faria. E ali Roberto Carlos viveu sua infância, numa casa modesta, com varanda e muitas flores na janela, como ele descreve na canção "O Divã".

"Era uma casa realmente simples, com três quartos, uma sala e um quintal onde havia uma árvore alta que dava uma fruta pegajosa, cujo leite, quando seco, a gente mastigava e chamava de chiclete!"
(Recorda Roberto Carlos)

O Acidente

O fato aconteceu numa manhã de domingo, 29/06/1947, dia de São Pedro. A brisa deslizava do alto das serras. Naquele dia, Cachoeiro de Itapemerim amanheceu sorrindo e em festa para saudar o seu santo padroeiro que, segundo a Igreja Católica, foi morto e crucificado nessa data em Roma, durante o reinado do imperador Nero, no ano 65 d.C.

Era feriado na cidade, dia de desfiles, músicas, bandeiras, discursos, ruas cheias de gente e muita alegria. As duas bandas da cidade, a Lira de Ouro e a Banda 26 de Julho, faziam retreta na praça, tocando dobrados e muitos meninos já brincavam em volta do coreto ouvindo os músicos tocar.

Como tantas outras crianças da cidade, naquele dia Roberto Carlos saiu cedo e animado de casa para assistir aos festejos. Era tanta badalação que muitos pais preparavam roupa nova para os filhos estrearem justamente nesse dia. Por isso Zunga estava ainda mais contente, porque iria desfilar com os sapatinhos novos que ganhara na véspera. E qual criança não fica feliz ao ganhar uma roupinha ou um novo par de sapatos?

Logo que saiu à porta de casa, Roberto Carlos se encontrou com sua amiga Eunice Solino, uma menina da sua idade, que ele carinhosamente chamava de Fifinha. Frequentemente os dois estavam juntos, porque moravam na mesma rua e, mais tarde, foram estudar no mesmo colégio. Por várias vezes, a caminho da escola, era ela quem carregava o material de Roberto Carlos.

"Fifinha foi a minha grande companheira da infância!"

Pois naquela manhã os dois desceram mais uma vez juntos em direção ao local dos desfiles. Ao chegarem num largo, logo abaixo da rua em que moravam, já encontraram todos em plena euforia. Desfiles escolares, balizas e muitos balões coloriam o céu do pequeno Cachoeiro, ao mesmo tempo em que locomotivas se movimentavam para lá e para cá. Construída na época dos barões do café, no século XIX, quando a cidade era um paradouro de trem de carga, a Estrada de Ferro Leopoldina Railways atravessava Cachoeiro de ponta a ponta.

Roberto Carlos
Por volta de nove e meia da manhã, Zunga e Fifinha pararam numa beirada entre a rua e a linha férrea para ver o desfile de um grupo escolar. Enquanto isso, atrás deles, uma velha locomotiva a vapor, conduzida pelo maquinista Walter Sabino, começou a fazer uma manobra relativamente lenta para pegar o outro trilho e seguir viagem.

Uma das professoras que acompanhava os alunos no desfile temeu pela segurança daquelas duas crianças próximas do trem em movimento e gritou para elas saírem dali. Mas, ao mesmo tempo em que gritou, a professora avançou e puxou pelo braço a menina, que caiu sobre a calçada. Roberto Carlos se assustou com aquele gesto brusco de alguém que ele não conhecia, recuou, tropeçou e caiu
na linha férrea segundos antes da locomotiva passar. A professora ainda gritou desesperadamente para o maquinista parar o trem, mas não houve tempo. A locomotiva avançou por cima do garoto que ficou preso embaixo do vagão, tendo sua perninha direita imprensada sob as pesadas rodas de metal.

E assim, na tentativa de evitar a tragédia com duas crianças, aquela professora acabou provocando o acidente com uma delas.

Diante da gritaria e do corre-corre, o maquinista Walter Sabino freou o trem, evitando consequências ainda mais graves para o menino, que, apesar da pouca idade, teve sangue-frio bastante para segurar uma alça do limpa-trilhos que lhe salvou a vida.

Uma pequena multidão logo se aglomerou em volta do local e, enquanto uns foram buscar um macaco para levantar a locomotiva, outros entravam debaixo do vagão para suspender o tirante do freio que se apoiava sobre o peito da criança. Com muita dificuldade, ela foi retirada de debaixo da pesada máquina carregada de minério de ferro.

"Eu estava ali deitado, me esvaindo em sangue", recordaria Roberto Carlos anos depois numa entrevista. Mas naquele momento alguém atravessou apressado a multidão barulhenta e tomou as providências necessárias.

"Será uma loucura esperarmos a ambulância", gritou Renato Spíndola e Castro, um rapaz moreno e forte, que trabalhava no Banco de Crédito Real. Providencialmente, Renato tirou seu paletó de linho branco e com ele deu um garrote na perna ferida do garoto, estancando a hemorragia.

"Até hoje me lembro do sangue empapando aquele paletó. E só então percebi a extensão do meu desastre", afirmou Roberto Carlos, que desmaiou instantes após ser socorrido. Esse momento trágico de sua vida ele iria registrar anos depois no verso de sua canção "O Divã", quando diz:

"Relembro bem a festa, o apito / e na multidão um grito / o sangue no linho branco...", numa referência à cor do paletó que Renato Spíndola usava no momento em que o socorreu.

Roberto Carlos
Naquela época em Cachoeiro do Itapemerim poucas pessoas possuíam automóvel e Renato Spíndola era uma delas. Ele pegou Roberto Carlos nos braços, colocou-o no banco de seu velho Ford e partiu a
toda velocidade rumo ao hospital da Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro, o único hospital daquela região.

"Foi uma longa viagem. 'Traumas', uma de minhas composições conta bem isso", diz Roberto Carlos, citando outra canção confessional, lançada por ele em 1971, que em um dos versos fala do "delírio da febre que ardia / no meu pequeno corpo que sofria / sem nada entender...".

No meio daquele corre-corre, com várias crianças espalhadas pelas ruas, pais e mães se desesperavam. Chamavam por seus filhos. Perguntavam quem era a criança atingida. Qual o nome dela. A confirmação não demorou. É o Zunga, um menino que mora na Rua da Biquinha.

O acidente mudou o roteiro daquele dia em Cachoeiro. Para muita gente a festa perdeu a graça. O feriado acabou. Muitas crianças voltaram para suas casas.

"Lembro que eu estava desfilando toda prosa de luvas e de uniforme quando houve aquele alvoroço e o desfile dispersou. Todo mundo correu pra ver. É uma coisa de que jamais me esqueci. Houve uma dispersão geral", afirmou a pianista Elaine Manhães, que na época tinha quinze anos e desfilava pelo Liceu Muniz Freire.

Ao longo daquele dia, nas ruas, nos bares, nas residências, todos na pequena cidade só comentavam o acidente que vitimara o filho da costureira Laura e do relojoeiro Robertino. Como aconteceu isto? Era a pergunta que mais se fazia na cidade. Foi quando começaram a surgir as mais variadas e fantasiosas versões para o acidente, num disse-medisse que chegou até os dias de hoje.

Acidentes com trem não eram raridade em Cachoeiro de Itapemirim, já que a linha férrea cortava todo o perímetro urbano da cidade. Inúmeros registros estavam na imprensa desde os primórdios, principalmente envolvendo pedestres bêbados na periferia. Esse novo caso ganhou uma repercussão maior na época porque envolveu uma criança, foi no centro da cidade e aconteceu no dia dos festejos do padroeiro, quando havia uma grande movimentação de pessoas nas ruas.

Roberto Carlos
Ao chegar ao hospital, Zunga foi imediatamente atendido pelo médico Romildo Coelho, de 36 anos, que estava de plantão naquele domingo. Segundo ele, ao ver o menino constatou que a parte de baixo da perna acidentada estava pendurada apenas pela pele, mas o garoto não chorava muito, porque não estaria sentindo dor.

"Quando o trem esmagou a perna, arrancou todos os nervos e tirou a sensibilidade", explicou o médico. Ele recorda que o menino parecia ainda não ter a noção exata da gravidade do acidente. Em certo momento, ele apontou para o sapato que estava na perna acidentada e me disse: "Doutor, cuidado para não sujar muito o meu sapato porque ele é novo". Foi uma reação típica de uma criança, e de uma criança que não estava acostumada a ganhar sapatos novos com muita frequência.

Os pais e irmãos de Roberto Carlos só ficaram sabendo do fato quando ele já tinha sido socorrido pelo bancário Renato Spíndola. Em seguida foram todos imediatamente para o hospital, sem ainda saber a real gravidade do acidente. A primeira reação foi de revolta contra o maquinista Walter Sabino. O pai de Roberto Carlos estava convencido de que aquilo fora resultado de imprudência e desatenção do condutor do trem. Este, por sua vez, se explicava dizendo que não viu ninguém na linha férrea no momento em que fez a manobra para pegar um outro trilho e seguir viagem. Quando ele percebeu alguma coisa, numa fração de segundo a máquina já tinha atingido o garoto. Robertino Braga não se conformava e queria fazer justiça com as próprias mãos.

"Ele ficou tão fora de si que disse que ia matar meu marido. Walter teve que se esconder dentro da estação até que Robertino se acalmasse", afirma Anita Sabino, esposa do maquinista.

Naquela mesma manhã, no hospital da Santa Casa, o médico aplicou uma anestesia local de novocaína no acidentado e deu início à cirurgia. Para distrair um pouco a criança, o doutor Romildo pegava uma folha de papel em branco e ficava recortando bichinhos como peixes, lagartixas, cavalos.

Roberto Carlos precisou usar muletas até os 15 anos de idade, quando recebeu sua primeira prótese.



O Divã

Relembro a casa com varanda
Muitas flores na janela
Minha mãe lá dentro dela
Me dizia num sorriso
Mas na lágrima um aviso
Pra que eu tivesse cuidado
Na partida pro futuro
Eu ainda era puro
Mas num beijo disse adeus

Minha casa era modesta
Mas eu estava seguro
Não tinha medo de nada
Não tinha medo de escuro
Não temia trovoada
Meus irmãos à minha volta
E meu pai sempre de volta
Trazia o suor no rosto
Nenhum dinheiro no bolso
Mas trazia esperanças

Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Por isso eu venho aqui

Relembro bem a festa, o apito
E na multidão um grito
O sangue no linho branco
A paz de quem carregava
Em seus braços quem chorava
E no céu ainda olhava
E encontrava esperança
De um dia tão distante
Pelo menos por instantes
encontrar a paz sonhada

Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Por isso eu venho aqui

Eu venho aqui me deito e falo
Pra você que só escuta
Não entende a minha luta
Afinal, de que me queixo
São problemas superados
Mas o meu passado vive
Em tudo que eu faço agora
Ele está no meu presente
Mas eu apenas desabafo
Confusões da minha mente

Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Águas de Março

Águas de Março
Tom Jobim
1972

"Águas de Março" é uma famosa canção brasileira do compositor, músico, arranjador, cantor e maestro Tom Jobim, de 1972. A canção foi lançada inicialmente no compacto simples "Disco de Bolso, o Tom de Jobim e o Tal de João Bosco" e, a seguir, no álbum "Matita Perê", no ano seguinte.

Em 1974, uma versão em dueto com Elis Regina foi lançada no LP "Elis & Tom". Posteriormente, Tom Jobim compôs uma versão em língua inglesa, que manteve a estrutura e a metáfora central do significado da letra.

A canção chegou a inspirar uma campanha publicitária da empresa Coca-Cola na década de 80, com um arranjo mais próximo do rock e outros versos. A versão em inglês da música foi também utilizada, já na década de 90, como tema publicitário para o lançamento do Ayala Center, nas Filipinas.

Em 2001, foi nomeada como a melhor canção brasileira de todos os tempos em uma pesquisa de 214 jornalistas brasileiros, músicos e outros artistas do Brasil, conduzida pelo jornal Folha de São Paulo. Na pesquisa realizada pela edição brasileira da revista Rolling Stone, em 2009, a canção ocupa o segundo lugar, atrás de "Construção", de Chico Buarque de Holanda.

Tom Jobim e Elis Regina (1974)
Antecedentes

No ano anterior à composição de "Águas de Março"Tom Jobim havia sofrido a única grande perseguição política em sua vida. Em um protesto contra a censura que vigorava durante a ditadura militar no Brasil, Tom Jobim e alguns compositores assinaram um manifesto e se retiraram do Festival Internacional da Canção, da Rede Globo. Doze artistas, entre os quais Tom Jobim, foram detidos e, durante algumas horas, interrogados. Segundo declarações posteriores de Chico Buarque, Edu Lobo e Ruy Guerra, um diretor da emissora esteve presente e insistiu para que os compositores voltassem e retornassem ao festival. A pressão não funcionou, mas - na opinião de Chico Buarque e Ruy Guerra - instigou o aparelho repressivo do regime a enquadrá-los na Lei de Segurança Nacional. Depois, Tom Jobim foi intimado várias vezes a prestar depoimento, chegou a ter o seu telefone grampeado e a suas cartas, violadas.

Segundo Tom Jobim, a questão foi resolvida "de uma maneira bastante brasileira", quando um escrivão de polícia solidário o chamou e disse: "Olhe, o senhor não queira se meter com polícia... Isso aqui não é bom. Negócio de polícia não é bom. Vou bater um negócio aqui para o senhor..." E assim, o escrivão bateu à máquina de escrever uma declaração, que Tom Jobim assinaria. "Este papel aqui diz que o senhor não teve intenção!".

Também no período de gravação do álbum "Matita Perê"Tom Jobim teve outros motivos para viver preocupado, que aludiam a problemas de saúde, términos de projeto de vida ou desinteresse pelos mesmos, algo que mencionaria em entrevistas posteriores.

Para a revista Playboy, em 1988, Tom Jobim contou que, à época da criação de "Águas de Março", "o médico disse que eu ia morrer de cirrose. 'É um resto de toco, é um pouco sozinho'(...)".

Em 1992, para o Jornal do Brasil, ele declarou que escreveu a canção "em um período em que estava muito na fossa. Parecia que tudo havia acabado para mim, que eu não tinha mais nada a fazer. Eu bebia muito." Segundo depoimento de Edu LoboTom Jobim ressentia-se de que "ninguém ouvia seus discos". Helena Jobim ainda afirmou que o irmão brincava naquele período que temia encerrar a carreira "aos 80 anos, cantando 'Garota de Ipanema', num circo do interior e sendo vaiado".


Letra e Música

"Águas de Março" foi composta por Tom Jobim em março de 1972. O tema começou a ser trabalhado ao violão em seu sítio do Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, região Serrana do Rio de Janeiro. De acordo com depoimento de Thereza Hermanny, esposa de Tom Jobim à época, a inspiração para "Águas de Março" surgiu ao final de um dia cansativo de trabalho provocado pela composição de "Matita Perê", futura parceria com Paulo César Pinheiro, de onde decorrem os primeiros versos "É pau, é pedra, é o fim do caminho".

"(...) assim como quem está cansado mesmo(...) Quer dizer: foi uma música que surgiu numa hora em que ele estava querendo descansar!"
(Thereza Hermmany, sobre como surgiram os primeiros versos de "Águas de Março")

Tendo percebido imediatamente o valor da canção, ainda pela madrugada, Tom Jobim bateu à janela e acordou a irmã Helena Jobim e o cunhado para lhes mostrar o primeiro rascunho da letra, com a introdução e as primeiras frases, escritas a lápis em um papel de embrulho de pão. Thereza Hermmany recorda-se de haver lhe arranjado "um papel de desenho das crianças, porque lá não era lugar de muito trabalho". Não surpreende que em um primeiro rascunho da letra contivesse um grande número de referências pontuais: "O projeto da casa", "A viga", "O vão", "A lenha", "O tijolo chegando", "O corpo na cama".

De volta ao Rio de Janeiro, concluiu a canção em uma tarde. Assim que a terminou, Tom Jobim "passou no Antonio's e convocou todos os amigos que ocupavam a varanda do restaurante para ouvirem, na sua casa, a música nova". Quando se reuniram em torno de Tom Jobim, ele "puxou um papel todo amassado do bolso" e "tocando violão, cantou a música (...) Quem chegasse na sua casa, naqueles dias, era imediatamente contemplado com a audição de 'Águas de Março'".

"Águas de Março" teve, ao menos, duas grandes fontes de inspiração. Uma é o poema "O Caçador de Esmeraldas", do poeta parnasiano Olavo Bilac ("Foi em março, ao findar da chuva, quase à entrada / do outono, quando a terra em sede requeimada / bebera longamente as águas da estação (...)). Outra é um ponto de macumba, gravado com sucesso por J. B. de Carvalho, do Conjunto Tupi ("É pau, é pedra, é seixo miúdo, roda a baiana por cima de tudo").

A estrutura musical é articulada por um motoperpétuo. Sua letra é estruturada em um único verbo (ser), conjugado na terceira pessoa do singular no presente do indicativo em praticamente todos os versos - exceto no refrão, transformado em plural ("São as Águas de Março"). Há uma constante alternância entre versos considerados otimistas e pessimistas, além do uso de antítese ("vida", "sol" / "morte", "noite"), pleonasmo ("vento ventando"), paronomásia ("ponta" / "ponto" / "conto" / "conta").

Sua letra tem caráter pouco narrativo e fortemente imagético, constituindo-se como séries descritivas conectadas a um espaço semântico amplo. Muitos elementos, de natureza geral, podem referir-se à cena do sítio: "pau", "pedra", "resto de toco", "peroba-do-campo", "nó na madeira", "caingá", "candeia", "matita perê", o que enquadra "Águas de Março" em um repertório de canções ecológicas - que incluiria depois "Chovendo na Roseira", "Boto", "Correnteza", "Passarim", além das instrumentais "Rancho das Nuvens" e "Nuvens Douradas".

A letra se assemelha a um fluxo de consciência, se referindo a seres como pau, pedra, caco de vidro, nó na madeira, peixe, fim do caminho e muitas outros. A metáfora central das "Águas de Março" é tomada como imagem da passagem da vida cotidiana, seu motocontínuo, sua inevitável progressão rumo à morte - como as chuvas do fim de março, que marcam o final do verão no sudeste do Brasil. A letra aproxima a imagem da "água" a uma "promessa de vida", símbolo da renovação.

A letra e a música operam progressões lentas e graduais, à maneira das enxurradas. Os efeitos de orquestração chegam a ser cinematográficos, a partir das relações que estabelecem entre elementos musicais e imagens do texto. Algumas metáforas são dignas de nota pela sutileza e propriedade, como o quase imperceptível "tombo da ribanceira", que acontece numa rara variação rítmica da linha do contrabaixo, além de vários movimentos de crescendo e decrescendo do naipe de cordas, reforçando o apelo da imagem da chuva na letra.


Lançamento

"Águas de Março" foi lançada originalmente como lado A de um compacto encartado no jornal O Pasquim, em maio de 1972. A ideia teria sido do cantor e compositor Sérgio Ricardo, que propusera o lançamento de um compacto simples que combinasse, em cada um dos lados, uma música de um artista consagrado, e o outro, de um estreante. Chamado "Disco de Bolso, o Tom de Jobim e o Tal de João Bosco", trazia ainda no lado B "Agnus Sei", estreia de João Bosco, e uma parceria com Aldir Blanc.

A canção foi lançada, como faixa 1, do LP "Matita Perê", do mesmo ano. Tom Jobim tocou o piano e o violão, enquanto a percussão e a bateria ficaram por conta de, respectivamente, Airto Moreira e João Palma.

Em 1974, uma nova versão de Tom Jobim, gravada com Elis Regina para o álbum-dueto "Elis & Tom", foi lançada e obteve maior sucesso comercial. Para esta versão, foram creditados Cesar Camargo MarianoTom Jobim (piano), Hélio Delmiro e Oscar Castro Neves (violão), Luizão Maia (baixo elétrico), Paulinho Braga (bateria).


Versões

"Águas de Março" teve várias versões regravadas, tanto no Brasil, quanto no exterior. Em seu país de origem, destacaram-se as gravações de João Gilberto, Leny Andrade, Miúcha, Nara Leão, Joyce, Danilo Caymmi, Sérgio Mendes e d'Os Cariocas. Em outros países, "Waters Of March", como foi traduzida literalmente, recebeu, entre outros, as interpretações de Art Garfunkel, Al Jarreau, Ella Fitzgerald e Dionne Warwick. Uma versão em francês, "Les Eaux de Mars", foi interpretada pelo cantor Georges Moustaki.


Versão Anglófona

O compositor escreveu originalmente duas versões da letra, uma em língua portuguesa e outra em língua inglesa, esta chamada de "Waters Of March", e que manteve a estrutura e a metáfora central do significado da letra.

Para o inglês, ele tentou evitar palavras com raízes latinas, disso resultou que a versão anglófona acabou por ter versos a mais que a da língua materna. A letra em inglês conserva a característica de enumeração de elementos presente na portuguesa. Entretanto, algumas referências específicas à cultura brasileira, tais como festa da cumeeira e garrafa de cana, bem como da flora brasileira, a peroba do campo, e do folclore, Matita Pereira, foram omitidas. Além disso, a versão em língua inglesa também assume um ponto de vista específico, que se assemelha ao de um observador do hemisfério norte. Neste contexto, as águas mencionadas são as águas do degelo, e não as chuvas do fim de verão do hemisfério sul a que se refere o texto em português. A "promessa de vida" do texto em português virou "promessa de primavera", referência mais relevante para a maior parte do mundo setentrional.

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Tom Jobim visite o blog Famosos Que Partiram.



Águas de Março

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumueira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
Uma ave no céu, uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão

É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé

São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é pouco, sozinho
É um caco de vidro, é a vida é o sol,
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração


Fonte: Wikipédia

domingo, 31 de março de 2013

Preta Pretinha

Preta Pretinha
Luiz Galvão e Moraes Moreira
1972

"Preta Pretinha" é uma canção do grupo baiano Novos Baianos, lançada em 1972 no álbum "Acabou Chorare".

A canção foi gravada no estúdio Somil. Aparece duas vezes no disco "Acabou Chorare" de 1972. A primeira versão com duração de 6:40 minutos (Faixa 2) e a segunda com 3:25 minutos (Faixa 10). As duas versões foram lançadas pois a gravadora se preocupava com a duração da canção de quase sete minutos (a original), que poderia ser rejeitada pelas rádios, então a versão alternativa foi incluída no disco. Por fim, a versão mais tocada nas rádios foi a mais longa.

Luiz Galvão
Letra

A letra foi escrita por Luiz Galvão para uma moça que havia conhecido em Niterói, RJ, numa viagem do grupo Novos Baianos ao Rio de Janeiro.

"A jovem combinou comigo para que eu fosse a Niterói conhecer seu pai e, na volta, ela viria morar comigo no apartamento dos Novos Baianos, em Botafogo. Pegamos a barca, conheci o pai dela, mas, na volta, ela se arrependeu e voltou para o seu namorado. À noite, escrevi a letra sob o impacto desse insucesso e, na certa, o subconsciente deu uma panorâmica em todas as minhas histórias de amor."
(Luiz Galvão)

A inspiração para completar a canção foi de uma antiga namorada de Juazeiro.


Música

A melodia foi composta por Moraes Moreira com arranjos de Pepeu Gomes. Possui uma harmonia simples, que torna possível de se acompanhar com apenas dois acordes. A introdução em bandolim é tocada por Pepeu Gomes, o que foi enfatizado depois por Moraes Moreira tanto na primeira quanto na segunda parte da canção.

O final contém uma insistente repetição dos versos "eu ia lhe chamar / enquanto corria a barca", com um coro e uma subida de oitava do vocalista, que torna a canção ainda mais memorável.

A canção foi o maior sucesso comercial dos Novos Baianos, e uma das mais tocadas do ano de 1972. Os direitos autorais da canção permitiram que o letrista Luiz Galvão adquirisse um sítio na época de lançamento da canção.

Outras Versões

  • Moraes Moreira regravou a canção em carreira solo.
  • Chico Science teria feito uma nova versão desta música para a coletânia que homenagearia os Novos Baianos, que nunca foi lançada. Não se sabe se foi ou não gravada a versão, já que a nota que anunciava foi pouco antes da morte do ex-vocalista do Nação Zumbi.
  • Márcia Castro regravou a canção em 2012.



Preta Pretinha

Enquanto eu corria
Assim eu ía
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca

Por minha cabeça não passava
Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Só! Somente Só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser

Laiá, larará, lararará, larará
Preta, preta, pretinha!
Preta, preta, pretinha!
Preta, preta, pretinha!
Preta, preta, pretinha!


Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer... (6x)

Eu sou um pássaro
Que vivo avoando
Vivo avoando
Sem nunca mais parar
Ai Ai! Ai Ai! Saudade
Não venha me matar
Ai Ai! Ai Ai! Saudade
Não venha me matar
Ai Ai! Saudade
Não venha me matar
Ai Ai! Ai Ai! Saudade
Não venha me matar

Lhe chamar!
Lhe chamar!
Eu ia lhe chamar!
Eu ia lhe chamar...


Fonte: Wikipédia