segunda-feira, 22 de junho de 2015

Não Chore Mais

Não Chore Mais
Gilberto Gil
1979

"Não Chore Mais" é um clássico, lançado por Gilberto Gil no disco "Realce" (1979), em uma versão trilingue: a letra em português e inglês e a melodia jamaicana, mas com tudo junto e misturado no melhor estilo tropicalista.

O compositor e cantor Gilberto Gil, postou explicações sobre a música "Não Chore Mais":

"Eu pensava na transposição de uma cena jamaicana para uma cena brasileira a mais similar possível nos aspectos físico, urbano e cultural. Emblemática do desejo de autonomia e originalidade das comunidades alternativas, 'No Woman, No Cry' retratava o convívio diário de rastafaris no 'government yard' (área governamental) em Trenchtown, e a perseguição policial, provavelmente ligada à questão da droga (maconha), que eles sofriam. Esta situação eu quis transportar para o Parque do Aterro, no Rio de Janeiro, também um parque público, onde localizei policiais em vigília e hippies em rodinhas, tocando violão e puxando fumo, como eu costumava vê-los de noite na cidade. Coincidindo com o momento em que a abertura política estava começando, 'Não Chore Mais' acabou por se referir a todo um período de repressão no Brasil."
Sobre a canção  "Não Chore Mais", Gilberto Gil explica que "Minha tradução para o refrão-nome foi uma escolha arbitrária, porque eu nunca entendi direito o que os autores queriam dizer com o proverbial 'No Woman, No Cry'. Até procurei, mas não tive meios de saber. Alguns me disseram que a expressão significa 'Nenhuma Mulher, Nenhum Problema'. Eu pensei em 'Nenhuma Mulher, Nenhum Choro', um adágio local talvez. E também numa possível forma em inglês dialetado para o correto 'No, Woman, Don't Cry'.
Optei por algo próximo disso inclusive porque, assim, eu me aproximava mais do sentido dos outros versos da música, uma espécie de lamento pela perda dos amigos e pela presença perturbadora da repressão que, na versão pelo menos, adquire um ar de canção de despedida, com o homem dizendo à mulher que está indo embora, mas que isso não é o fim do mundo, e que é pra ela se lembrar do tempo dos dois juntos etc. Uma instauração de um espaço afetivo que eu até hoje não sei se o original contém."

Sobre as palavras "Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais", Gilberto Gil comenta:

"Eu não pensava em ninguém especificamente; a tradução vinha diretamente dos versos em inglês, com o detalhe do uso do termo 'presos' - surgido naturalmente com a lembrança do modo de atuar da repressão, através das prisões, torturas e mortes de pessoas."

E a sua explicação para a frase "Melhor é deixar pra trás", ele diz:

"Há uma certa licenciosidade interpretativa aí. 'You can't forget your past' ('Você não pode esquecer o seu passado'), diz o original. Me referindo ao período que estava terminando no Brasil, eu digo: 'Vamos passar a borracha nisso tudo. O passado tem um débito conosco, mas vamos dar um crédito ao futuro'. Uma posição típica da minha ideologia interna, do meu otimismo, do meu gosto pela conciliação, do traço tolerante da minha personalidade."


Não Chore Mais 

No woman, no cry
No woman, no cry
No woman, no cry
No woman, no cry

Bem que eu me lembro
Da gente sentado ali
Na grama do aterro, sob o sol
Ob-observando hipócritas
Disfarçados, rondando ao redor

Amigos presos
Amigos sumindo assim
Pra nunca mais
Tais recordações
Retratos do mal em si
Melhor é deixar pra trás

Não, não chore mais
Não, não chore mais
Oh! Oh!
Não, não chore mais
Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!
Não, não chore mais
Hê! Hê!

Bem que eu me lembro
Da gente sentado ali
Na grama do aterro, sob o céu
Ob-observando estrelas
Junto a fogueirinha de papel

Quentar o frio
Requentar o pão
E comer com você
Os pés, de manhã, pisar o chão
Eu sei a barra de viver
Mas, se Deus quiser!
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé

No woman, no cry
No woman, no cry
No woman, no cry
Uh! Uh! Uh!

Não, não chore mais
Menina não chore assim
Não, não chore mais
Oh! Oh! Oh!
No woman, no cry
No woman, no cry
Não, não chore mais
Não chore assim
Não, não chore mais
Hê! Hê!

terça-feira, 2 de junho de 2015

Meu Mundo e Nada Mais

Meu Mundo e Nada Mais
Guilherme Arantes
1976

A importância que as trilhas sonoras de telenovelas desempenham para a história de nossa canção é grande. Além de tornar a trama, ora mais leve, ora mais pesada, dependendo dos apelos das cenas, as canções marcam as personagens e estimulam emoções no ouvinte-telespectador. Elas, como que, complementam a personagem. Sem esquecer, claro, o alcance de público.

Como somos seres carentes, circular e infinitamente, do canto do outro, ao assistirmos alguém, a personagem de ficção, vivenciando algo que encontra eco nas nossas necessidades íntimas e particulares, e aquele momento é emoldurado por uma canção, esta canção entra, pelas portas da empatia e da afetividade, na nossa constituição de sujeitos.

É assim que muitas vezes as canções ultrapassam os limites da televisão e figuram nas vidas reais embalando momentos particulares de quem assiste à novela. Seja como for, ao colarmos uma canção a um tempo e a uma imagem, no caso uma cena de novela, algo que atravessa nosso cotidiano por um bom par de tempo, facilitamos que ela, a canção, dure mais: Ressoe em nossa caixa acústica interior. Isso, não só ajuda a difundir a canção como também a torná-la perpétua em nós: ouvintes.

"Meu Mundo e Nada Mais", de Guilherme Arantes, do ano de 1976, é um destes casos. A canção apareceu na novela "Anjo Mau" (1976) e nunca mais parou de tocar: Seja pelo poder de fixação da imagem televisiva, seja pela própria canção em si, sua mensagem, letra e melodia.


Competente pianista, Guilherme Arantes criou um acompanhamento melódico e harmônico que investe nas potências daquilo que a letra diz. A bela introdução indicia a voz de um sujeito que, chafurdando em restos de vida, canta a paz perdida.

Ao sustentar as vogais, no final de alguns versos, o sujeito parece querer manter, ou rever, a vida que perdeu. Fera ferida, o que lhe importa agora é juntar os caquinhos de um velho mundo a fim de projetar um novo.

O sujeito percebe, com dor, que não há "verdades verdadeiras". Tudo muda o tempo todo e a vida, neste momento, exige mudanças. A certeza dá paz. Mas, o mundo é feito de incertezas, ou melhor, de ficções: verdades construídas, montadas e frágeis. O sujeito percebe isso e tenta (de)escrever o seu livro do desassossego.

Desencantado da vida (ele que tinha tudo e cantava), o sujeito está mudo: não há mais porque cantar, se as motivações cessaram. A reflexão interna do sujeito transparece como um desabafo íntimo: A vontade de esquecer a causa do desencanto.

Mas, como ver luz no fim do túnel se estamos na curva, na crise, na fronteira entre o sim e o não? Como voltar a sorrir sem amargura depois da ferida? Como superar a quebra permanente das estabilidades? Eis as questões!


Meu Mundo e Nada Mais 

Quando eu fui ferido, vi tudo mudar,
das verdades que eu sabia.
Só sobraram restos, que eu não esqueci,
toda aquela paz que eu tinha.

Eu que tinha tudo, hoje estou mudo,
estou mudado.
À meia-noite, à meia-luz pensando:
Daria tudo por um modo de esquecer.

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto,
à meia-noite, à meia-luz sonhando:
Daria tudo por meu mundo e nada mais.

Não estou bem certo se ainda vou sorrir,
sem um travo de amargura.
Como ser mais livre, como ser capaz,
de enxergar um novo dia.

Eu que tinha tudo, hoje estou mudo,
estou mudado.
À meia-noite, à meia-luz pensando:
Daria tudo por um modo de esquecer.

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto,
à meia-noite, à meia-luz sonhando:
Daria tudo por meu mundo e nada mais.