terça-feira, 21 de abril de 2015

Pelo Telefone

Pelo Telefone
Donga e Mauro de Almeida
1916

"Pelo Telefone" é considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil segundo a maioria dos autores, a partir dos registros existentes na Biblioteca Nacional.

Composição de Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga, e do jornalista Mauro de Almeida. Foi registrada em 27/11/1916 como sendo de autoria apenas de Donga, que mais tarde incluiu Mauro de Almeida como parceiro.

"Pelo Telefone" foi concebida em um famoso terreiro de candomblé daqueles tempos, a casa da Tia Ciata, na Praça Onze, frequentada por grandes músicos da época. Por ter sido um grande sucesso e devido ao fato de ter nascido em uma roda de samba, de improvisações e criações conjuntas, vários foram os músicos que reivindicaram a autoria da composição. A melodia, originalmente, intitulava-se "Roceiro" e foi uma criação coletiva, com participação de João da Baiana, Pixinguinha, Caninha, Hilário Jovino Ferreira, Sinhô, entre outros.
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"Pelo Telefone" marca o início do reinado da canção carnavalesca. É a partir de sua popularização que o carnaval ganha música própria e o samba começa a se fixar como gênero musical. Desde o lançamento, quando apareceram vários pretendentes à sua autoria, e mesmo depois, quando já havia sido reconhecida sua importância histórica, essa melodia seria sempre objeto de controvérsia, tornando-se uma de nossas composições mais polêmicas em todos os tempos.

Quase tudo que a este samba se refere é motivo de discussão: a autoria, a afirmação de que foi o primeiro samba gravado, a razão da letra e até sua designação como samba. Todas essas questões, algumas irrelevantes, acabaram por se integrar à sua história, conferindo-lhe mesmo um certo charme.

"Pelo Telefone" tem uma estrutura ingênua e desordenada: a introdução instrumental é repetida entre algumas de suas partes (um expediente muito usado na época) e cada uma delas tem melodias e refrões diferentes, dando a impressão de que a composição foi sendo feita aos pedaços, com a junção de melodias escolhidas ao acaso ou recolhidas de cantos folclóricos.

Outra versão, relatada por Donga a Ary Vasconcelos e ao jornalista Eduardo Sucupira Filho, é a de que "Pelo Telefone" teria surgido de uma estrofe a ele transmitida por um tal Didi da Gracinda, elemento ligado ao grupo de Hilário Jovino. Já Mauro de Almeida, que parece nunca ter-se preocupado em afirmar sua participação na autoria, declarou, em carta ao jornalista Arlequim, ser apenas o "arreglador" dos versos, o que corresponderia à verdade.

"Pelo Telefone" foi lançado em discos Odeon, em dezembro de 1916, simultaneamente pelo cantor Bahiano e a Banda da Casa Edison.

Bahiano
Primeiro Samba?

Em 1917, o samba "Pelo Telefone" se transformou no marco inicial da história fonográfica daquele gênero musical. Historiadores, porém já registraram, em suas pesquisas, gravações anteriores que podem ser reconhecidas como samba e que comprovadamente foram gravadas antes da composição assinada pela dupla Donga e Mauro de Almeida. O sucesso comercial de Fred Figner e sua Casa Edison, no Rio de Janeiro, provocou o aparecimento de concorrentes no Brasil inteiro e uma variedade enorme de selos fonográficos surgiu. A maioria de vida curta, mas que acabou por contribuir culturalmente com a Música Popular Brasileira e influir na instalação da indústria fonográfica no país.

A gravadora Odeon, por exemplo, que registrou o chamado samba pioneiro, antes dele já havia gravado, na série lançada entre 1912 e 1914, "Descascando o Pessoal" e "Urubu Malandro", classificados como sambas no próprio catálogo da fábrica.

Na série de 1912 a 1915 consta "A Viola Está Magoada" de Catulo da Paixão Cearense e interpretada por Bahiano e Júlia Martins, além de "Moleque Vagabundo" de Lourival Carvalho, também identificados como samba.

"Pelo Telefone" tem o número de série 121313, mas anteriores a ele são ainda "Chora, Chora, Choradô" (121057), cantado por Bahiano, "Janga" (121165), com o Grupo Paulista, e "Samba Roxo" (121176), com Eduardo das Neves.

O selo Columbia editou série entre 1908 e 1912, aparecendo nela como samba a gravação "Michaella", interpretada por Bartlet, "Quando a Mulher Não Quer", com Arthur Castro, e "No Samba", gravado por Pepa Delgado e Mário Pinheiro.

A Favorite Record gravava na Europa para a Casa Faulhaber do Rio de Janeiro, entre 1910 e 1913, e em seu catálogo se encontrava a gravação do samba "Em Casa de Baiana", com o Conjunto da Casa Faulhaber, identificada na abertura como "samba de partido-alto". O disco tem o título simples de "Samba", sem indicação de intérprete ou autoria. O selo Phoenix também pertencia à família Figner. Gravou de 1914 a 1918 para a Casa Edison de São Paulo.

Os sambas que nele aparecem são anteriores a 1915, ano da gravação "Flor do Abacate" (70.711), como provam suas numerações: "Samba do Urubu" (70.589), com o Grupo do Louro, "Samba do Pessoal Descarado" (70.623), com o Grupo dos Descarados, "Vadeia Caboclinha" (70.691), com o Grupo Tomás de Souza, e "Samba dos Avacalhados" (70.693), com o Grupo do Pacheco, Coro e Batuque. Da mesma maneira como existem dúvidas quanto à verdadeira autoria de "Pelo Telefone", não se pode concluir com inteira certeza qual o primeiro samba realmente gravado.

Pixinguinha, João da Bahiana e Donga
Outros Compositores

A história oral menciona vários autores para o samba "Pelo Telefone", mas quando Donga fez seu registro na Biblioteca Nacional omitiu todos, declarando ser seu único compositor. As primeiras partituras, ainda na ortografia da época, que grafava Telephone, exibiam apenas o nome de Donga. A grita que se seguiu não teve muitos resultados, mas pelo menos serviu para que Mauro de Almeida fosse reconhecido como um dos parceiros. O Peru dos Pés Frios, como era conhecido o jornalista carnavalesco, faleceu pouco tempo depois da gravação do samba, ficando todas as luzes apenas sobre Donga, que delas sempre soube tirar proveito pessoal.

O sucesso cercou "Pelo Telefone" de aspectos os mais variados, fugindo da simples conseqüência musical, de cair na preferência popular, no assobio das calçadas e na cantoria das festinhas de subúrbio. Logo um sem-número de pais-da-criança apareceu, cada um puxando a brasa para sua sardinha, todo mundo ignorando a iniciativa de Donga em registrar oficialmente sua autoria na Biblioteca Nacional.

Como se sabe, o samba vinha sendo cantado na casa de Tia Ciata de maneira informal, como partido alto com a participação da dona da casa, emérita partideira que com certeza introduziu nele seus improvisos, o mesmo fazendo seu genro Mestre Germano e o ranchista Hilário Jovino.

Da cantoria, lá pelo ano de 1916, participavam também Donga, o jornalista Mauro de Almeida, a quem Almirante credita a autoria indiscutível do samba, João da Mata, o dono do refrão, e o conflituoso Sinhô, que como autor da frase "Samba é como passarinho, está no ar, é de quem pegar!", evidentemente tentou também se apossar da paternidade da novidade. Ironizando a atuação de Aurelino Leal, o novo chefe de policia do Rio de Janeiro, o samba teve seus versos fixados por Mauro de Almeida, que nem assim foi reconhecido como co-autor no registro da Biblioteca Nacional.

Cantado em público pela primeira vez, segundo Almirante, no Cinema Teatro Velo, à Rua Haddock Lobo, na Tijuca, despertou de imediato a cobiça alheia e, com razão ou sem ela, contestações quanto à autoria de Donga pipocaram de todos os lados. A principal veio de Tia Ciata, criando uma briga que jamais chegou à reconciliação, com um anúncio publicado no Jornal do Brasil garantindo que no Carnaval de 1917, na Avenida Rio Branco, seria cantado o "verdadeiro tango 'Pelo Telefone' dos inspirados carnavalescos João da Mata, o imortal Mestre Germano, a nossa velha amiguinha Ciata, o bom Hilário, com arranjo do pianista Sinhô, dedicado ao falecido repórter Mauro", seguindo-se a letra com o nome de "Roceiro", denunciando Donga nas entrelinhas:

Pelo telefone
A minha boa gente
Mandou avisar
Que meu bom arranjo
Era oferecido
Para se cantar

Ai, ai, ai
Leve a mão na consciência,
Meu bem
Ai, ai, ai
Mas porque tanta presença
meu bem?

O que caradura
De dizer nas rodas
Que esse arranjo é teu
E do bom Hilário
E da velha Ciata
Que o Sinhô escreveu

Tomara que tu apanhes
Para não tornar a fazer isso
Escrever o que é dos outros
Sem olhar o compromisso

Não faltaram também os aproveitadores, que na esteira do êxito da gravação de Bahiano correram atrás dos lucros que se imaginava para os autores de "Pelo Telefone". Mauro de Almeida jamais recebeu um tostão de direitos.

A Versão do Povo

No dia 20/10/1916, Aureliano Leal, chefe de polícia do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, determinou por escrito aos seus subordinados que informassem "antes pelo telefone" aos infratores, a apreensão do material usado no jogo de azar. Imediatamente o humor carioca captou a comicidade do episódio, que ao lado de outros foi cantado em versos improvisados nas festas de Tia Ciata e registrado rapidamente por Donga em seu nome, na Biblioteca Nacional. É lógico que os versos oficiais eram diferentes daqueles que ridicularizavam o chefe de polícia. Sua versão popular, a que corria na boca das ruas dizia:

Pelo Telefone

O chefe da polícia
Pelo telefone mandou avisar
Que na Carioca
Tem uma roleta para se jogar

Ai, ai, ai
O chefe gosta da roleta ô maninha
Ai, ai, ai
Ninguém mais fica forreta é maninha

Chefe Aureliano, Sinhô, Sinhô
É bom menino, Sinhô, Sinhô
Prá se jogar, Sinhô, Sinhô
De todo o jeito, Sinhô, Sinhô
O bacará, Sinhô, Sinhô
O pinguelim, Sinhô, Sinhô
Tudo é assim


A letra registrada por Donga, que passou a ser conhecida como original e aparece nas gravações até hoje, é alongada, homenageando o Peru, o jornalista Mauro de Almeida, co-autor da obra, e o Morcego, Norberto do Amaral Júnior, conhecido no Clube dos Democráticos. Incorpora também elementos do folclore nordestino:

Pelo Telefone

O chefe da folia
Pelo telefone manda avisar
Que com alegria não se questione
Para se brincar

Ai, ai, ai
Deixa as mágoas para trás ó rapaz!
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Tirar amores dos outros
E depois fazer feitiço

Ai, a rolinha, Sinhô, Sinhô
Se embaraçou, Sinhô, Sinhô
É que a avezinha, Sinhô, Sinhô
Nunca sambou, Sinhô, Sinhô
Porque esse samba, Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe a perna bamba, Sinhô, Sinhô
Me faz gozar, Sinhô, Sinhô

O Peru me disse
Se o Morcego visse
Eu fazer tolice,
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse que não disse

Ai, ai, ai
Aí está o canto ideal
Triunfal
Viva o nosso carnaval
Sem rival

Se quem tira o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno só habitado

Queres ou não, Sinhô, Sinhô
Vir pro cordão, Sinhô, Sinhô
Do coração, Sinhô, Sinhô
Porque esse samba, Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe a perna bamba, Sinhô, Sinhô
Me faz gozar, Sinhô, Sinhô



Pelo Telefone

O Chefe da polícia
Pelo telefone manda me avisar
Que na carioca
Tem uma roleta para se jogar
O Chefe da polícia
Pelo telefone manda me avisar
Que na carioca
Tem uma roleta para se jogar

Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Roubar amores dos outros
E depois fazer feitiço

Olha a rolinha, Sinhô, Sinhô
Se embaraçou, Sinhô, Sinhô
Caiu no lago, Sinhô, Sinhô
Do nosso amor, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô

O Peru me disse
Se o Morcego visse
Não fazer tolice,
Que eu não saísse
Dessa esquisitice
Do disse me disse
Mas o Peru me disse
Se o Morcego visse
Não fazer tolice,
Que eu não saísse
Dessa esquisitice
Do disse me disse

Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Queres ou não, Sinhô, Sinhô
Vir pro cordão, Sinhô, Sinhô
Ser folião, Sinhô, Sinhô
De coração, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô


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