sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Chico Mineiro

Chico Mineiro
Tonico e Francisco Ribeiro
1946

"Chico Mineiro" é o nome de uma conhecida canção brasileira à moda de viola de autoria de Tonico e Francisco Ribeiro. Foi a canção responsável por lançar a dupla Tonico & Tinoco a nível nacional.

Diversas sites atribuem a composição da música a Tonico e Tinoco, que ouviam desde criança a lenda de um certo Chico Mineiro, um boiadeiro, que só descobre ser irmão de seu melhor amigo no dia que este é assassinado, quando vai ver seus documentos. Cita-se a modesta participação de um porteiro da Rádio Tupi, Francisco Ribeiro, que perguntou a Tonico se ele conhecia a história do Chico Mineiro, fato que o levou a relembrar a história contada por seu pai e o inspirou a compor, sozinho, a canção. À dupla Tonico & Tinoco, então, é atribuída, de forma errônea, a generosidade de "ceder" a parceria na música a Francisco Ribeiro.

Fato é que essa informação não condiz com a realidade e é mera distorção do ocorrido. Conforme trecho do livro "Enciclopédia das Músicas Sertanejas", de autoria de Ayrton Mugnaini Jr., referenciado por diversos acadêmicos da área de literatura e contemporaneidade, a canção foi na verdade "uma poesia formada por 25 versos, apresentada ao Tonico, João Salvador Pérez, da dupla Tonico & Tinoco, pelo porteiro das rádios associadas, Francisco Ribeiro".

Nas palavras de Tonico, citadas na referida obra, "enquanto a poesia era lida, eu me lembrava que meu pai contava essa história e que também já a tinha ouvido em muitos lugares: se era em São Paulo, chamava-se Chico Paulista, se era em Goiás, era Chico Goiano. Mas a história era sempre a mesma!"

As variadas fontes da internet que atribuem a autoria da música apenas a Tonico também deixam de citar o lapso temporal entre o tempo de lançamento da canção, década de 40, e o reconhecimento de Francisco Ribeiro como seu co-criador, ocorrido décadas depois. Isso porque foi uma decisão judicial, em processo intentado por Francisco Ribeiro, que reconheceu sua participação na composição da música, dando direito à sua família, pois Francisco, à época do veredicto, já havia falecido, receber parte dos valores obtidos com a canção.

Tonico & Tinoco
José Perez, o Tinoco, irmão e parceiro de Tonico, contou em seu site uma versão sem, no entanto, se referir ao conhecimento prévio da lenda. Veja a transcrição do seu relato:

"Em Julho de 1946, quando o Tonico e eu chegávamos para fazer o programa na Rádio Difusora de São Paulo, fomos chamados pelo porteiro da emissora, o senhor Francisco Ribeiro, que contou-nos uma história de dois irmãos. Um saiu pelo mundo e virou peão (Chico), o segundo (Zé Mendes) tornou-se dono de tropa.
Quis o destino que se encontrassem. Pôr muitos anos trabalharam juntos, e só com a morte do Chico é que veio a revelação do parentesco entre eles.
Na década de 90, fui (Tinoco) até Goiás Velho (Antiga Capital de Goiás), onde existia na época alguns pertences, uma capela e a lenda do Chico Mineiro que vivia na lembrança de muitos moradores.
Outro detalhe que não está revelado na letra, é que Chico (O mais velho), sabia que era irmão de Zé Mendes (O mais novo) e sempre procurou defende-lo em muitas dificuldades.
Escrevemos a história numa folha de pão (que existia nas padarias), e virou um dos maiores sucessos de Tonico & Tinoco."

Uma curiosidade sobre a gravação da música é que a gravadora chegou a informar a que aquele seria o último disco da dupla, já que os ouvintes reclamavam de não entender a pronúncia caipira do interior de São Paulo usada na canção.



Chico Mineiro

Cada vez que eu me alembro
do amigo Chico Mineiro.
Das viage que nois fazia
era ele meu cumpanheiro.

Sinto uma tristeza
uma vontade de chorar.
Alembrando daqueles tempos
que não mais há de voltar.

Apesar de eu ser patrão
eu tinha no coração
o amigo Chico Mineiro.

Caboclo bom decidido,
na viola era delorido
e era o peão dos boiadero.

Hoje porém com tristeza
recordando das proeza
da nossa viage motin.

Viajemo mais de dez ano
vendendo boiada e comprando
por esse rincão sem-fim.

Caboclo de nada temia
mas porém, chegou um dia
que Chico apartou-se de mim.

Fizemos a última viagem
foi lá pro sertão de Goiás.
Fui eu e o Chico Mineiro
também foi o capataz.

Viajemos muitos dias
pra chegar em Ouro Fino.
Aonde nós passemo a noite
numa festa do Divino.

A festa tava tão boa
mas antes não tivesse ido.
O Chico foi baleado
por um homem desconhecido.

Larguei de comprar boiada
mataram meu cumpanheiro.
Acabou o som da viola
acabou-se o Chico Mineiro.

Despois daquela tragédia
fiquei mais aborrecido.
Não sabia da nossa amizade
porque nois dois era unido.

Quando vi seu documento
me cortou meu coração.
Vim saber que o Chico Mineiro
era meu legítimo irmão.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Drão

Drão
Gilberto Gil
1981

Gilberto Gil escreveu a música em 1981, poucos dias depois da sua separação de Sandra Gadelha. A letra é uma parábola sobre o amor, que não morre - e sim, se transforma. Assim como o trigo, ele nasce, vive e renasce de outra forma. Há referências à cama de tatame onde o casal costumava dormir ("cama de tatame pela vida afora") e aos três filhos frutos do relacionamento deles ("os meninos são todos sãos").

A música composta em 1981 foi gravada em 1982. Há 33 anos, Gilberto Gil gravou "Drão". Mas quem era "Drão"? Eu ouvia "Drão", e a música não me dizia nada.

"Drão" foi o apelido dado por Maria Bethânia para Sandra Gadelha, que, na época da composição da música, estava se separando de Gilberto Gil. A música completa 33 anos e continua universal. Hoje, percebo ser uma das mais belas músicas de separação já escritas. Escrita para desmentir a história que a separação é o fim do amor e o começo de desamor, mas de um amor que se transforma e se eterniza.

"Drão" é uma história de amor, ou melhor, de uma separação. Contando-a, eu me transformo, sem querer, em advogado do nosso ex-ministro da Cultura, para lhe salvar da burrice de gente como a minha pessoa que não entende, às vezes, um poeta tão profundo, capaz de compor "Se Eu Quiser Falar Com Deus", a qual Elis Regina interpretou como se fosse uma evangélica norte-americana. Ou então "Testamento do Padre Cícero", uma joia rara que poucos conhecem.

Gilberto Gil, no livro "Todas as Letras" (Cia das Letras, 2000), diz: 

"Sua criação apresentou altos graus de dificuldades porque ela lidava com um assunto denso - o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra - e para mim. 'Como é que eu vou passar tantas coisas numa canção só?', eu me perguntava!"  

Gilberto Gil e Sandra Gadelha 'Drão' em Londres durante o exílio entre 1969 e 1972.

Sandra Gadelha, como inspiradora da canção, conta a história de como Gilberto Gil lhe mostrou a música, numa reportagem da revista Marie Claire: 

"Desde meus 14 anos, todo mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal Costa, morávamos na mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano Veloso. Nossa rua era o ponto de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade. Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em São Paulo, e ele me pediu textualmente: 'Quer me namorar?'. Já tinha pedido outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei.
Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música 'Sandra'. Já 'Drão' marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.
Nos separamos de comum acordo. O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos. Com o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que adorávamos. No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar.
A primeira vez em que ouvi 'Drão' depois que Pedro, nosso filho, morreu (num acidente de carro em 1990, aos 19 anos) foi quando me emocionei mais. Com a morte dele a música passou a me tocar profundamente, acho que por causa da parte: 'Os meninos são todos sãos'. Mas é uma música que ficou sendo de todos, mexe com todo mundo. Soube que a Preta, nossa filha, chora muito quando ouve 'Drão'. Eu não sabia disso, e percebi que a separação deve ter sido marcante para meus filhos também. As pessoas me dizem que é a melhor música do Gil. Djavan gravou, Caetano também. Fui ao show de Caetano e ele não conseguia cantar essa música porque se emocionava: de repente, todo mundo começou a chorar e a olhar para mim, me emocionei também. E, engraçado, Caetano é o único dos nossos amigos que me chama de Drinha." 

O curioso é que o próprio Gilberto Gil era um dos poucos da roda de amigos que não chamava a mulher de Drão. Ele e Caetano Veloso a chamavam de "Drinha".



Drão

Drão!
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura

Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora

Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Drão!
Drão!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Maringá

Maringá
Joubert de Carvalho
1932

Engana-se quem acha que a canção "Maringá" foi composta em homenagem a cidade Maringá no Paraná. Basta ouvir a letra da música que logo se vê que a cidade referenciada é Pombal na Paraíba e não Maringá no Paraná.

A canção "Maringá" foi composta por Joubert de Carvalho a pedido do então Senador Ruy Carneiro que em Pombal, PB encontrou-se com Maria do Ingá, linda cabocla que vinha em retirada fugindo da seca. A mesma seca que a separou do Senador.

Sabendo da história Joubert de Carvalho compôs a música para o amigo Ruy Carneiro e tronou-se um hino da cidade de Pombal. Ela nada tem a ver com a bela Maringá no Paraná.

Quando "Maringá" foi composta, os paraibanos logo passaram a entoá-la ante o seu sucesso. Mais tarde, fugindo também da seca, paraibanos migraram para o Paraná para trabalhar numa fazenda e durante a lida cantavam a canção "Maringá". Depois essa fazenda tronou-se vila e cidade, hoje Maringá, PR. Nome dado a cidade em razão da canção que tanto era cantada naquela fazenda.

A História da Música Maringá
Texto gentilmente cedido por Teófilo Júnior

Cidade de Pombal, Paraíba, década de 20. Uma família de retirantes arruma seus poucos pertences em um pau de arara e um jovem casal se despede. Ela, bonita, deixaria a cidade junto com a miserável família para tentar uma vida melhor em São Paulo. Era a família de Maria, da cabocla Maria do Ingá.

Ele, um jovem mais triste ainda. Sem dinheiro não tinha condições de embarcar no caminhão. Todas as economias daquela família eram mínimas para a longa viagem, não haveria mais espaço para um corpo franzino e muito menos para mais uma boca.

O pau de arara parte deixando no ar o último toque de mãos entre Maria e o namorado. Ele corre atrás do caminhão, armazenando todo o fôlego possível, até desistir em meio a poeira.

Não há registros sobre o nome do caboclo que ficou. João Ninguém? Talvez.

Num bar próximo, um grupo de amigos assistia a cena. Comovidos, chegaram a recolher moedas perdidas nos bolsos, mas poucos réis não seria suficientes para cobrir os gastos da viagem ou para conformar o coração daqueles jovens separados pela miséria.

Eles conheciam Maria. Ela morava numa região conhecida como Ingá, nas margens do Rio Piranhas. Daí o seu nome: Maria do Ingá!

Moça prendada, desde os 12 anos já preparava pratos típicos. Com um sorriso encantador, era a alegria da centenária cidade paraibana até o dia do adeus parado no tempo.

A homenagem, porém, ficaria para o amigo Ruy Carneiro, ilustre filho da cidade de Pombal, também na Paraíba. Foi ele mesmo que teria contado para Joubert de Carvalho, durante conversa em um bar no centro do Rio de Janeiro, a triste história de uma cabocla chamada Maria do Ingá.

Joubert de Carvalho ficou emocionado com o relato sobre a família de retirantes e do desespero do namorado de Maria, deixado em Pombal.

Mas seria tudo aquilo verdade ou lenda? Ruy Carneiro, então, revelou: Era ele um dos rapazes que estava no bar, uma das testemunhas do adeus.

Provavelmente, foi o próprio amigo de Joubert de Carvalho quem batizou a triste moça de Maria do Ingá, também inspirado na lenda de uma cabocla conhecida com este nome, vítima da terrível seca de 1877.

Convencido, Joubert de Carvalho partiu para o escritório a fim de terminar a composição. Varou a madrugada compondo a toada. O refrão estava pronto:

"Maria do Ingá, Maria do Ingá
Depois que tu partiste
tudo aqui ficou tão triste
que eu fiquei a imaginar"

Não, não estava bom!

"Maringá, Maringá
Depois que tu partiste
tudo aqui ficou tão triste
que eu fiquei a imaginar"

Foi o último retoque, a obra-prima estava pronta!



Maringá

Foi numa leva
que a cabocla Maringá
Ficou sendo a retirante
que mais dava o que falar

E junto dela
veio alguém que suplicou
Pra que nunca se esquecesse
de um caboclo que ficou

Maringá, Maringá
Depois que tu partiste
tudo aqui ficou tão triste
que eu garrei a imaginar

Maringá, Maringá
Para haver felicidade
é preciso que a saudade
vá batê noutro lugar

Maringá, Maringá
volta aqui pro meu sertão
Pra de novo o coração
de um caboclo assossegar

Antigamente
uma alegria sem igual
dominava aquela gente
da cidade de Pombal

Mas veio a seca
e toda chuva foi-se embora
Só restando então as águas
dos meus olhos quando chora

Maringá, Maringá
Depois que tu partiste
tudo aqui ficou tão triste,
que eu garrei a imaginar

Maringá, Maringá
Para haver felicidade
é preciso que a saudade
vá bater noutro lugar

Maringá, Maringá
volta aqui pro meu sertão
Pra de novo o coração
de um caboclo assossegar


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Samba em Prelúdio

Samba em Prelúdio
Baden Powell e Vinícius de Moraes
1962

A música "Samba em Prelúdio" surgiu durante um encontro entre Baden Powell e Vinícius de Moraes. Esta é uma engraçada história contada pelo violonista Baden Powell, um dos maiores músicos do Brasil das décadas de 60 e 70, sobre a composição da música "Samba em Prelúdio", cuja letra Vinícius de Moraes fez.

O jeito leve e descontraído de ser de Baden Powell pode ser visto já numa das anedotas em que se envolveu. Certa vez, o músico chegou ao Teatro Record, em São Paulo, de sandálias e calças brancas direto do Rio Janeiro. Requisitado a ir para o hotel se trocar antes da apresentação, não quis. "Aqui você não vai cantar", disseram-no, e ele voltou imediatamente de taxi para a Cidade Maravilhosa.

Pena para os paulistanos que perderam na ocasião a oportunidade de ouvir música e histórias dessa grande personalidade. Em "Samba em Prelúdio"Baden Powell chamou Vinícius de Moraes, a quem considerava "mais que um pai", para ouvir a música que compusera.

Romântica e bela, a canção encontrou-se digna de uma letra de Vinícius de Moraes. Sentados à mesa com whisky e violão, iniciaram a empreitada criativa. Na terceira garrafa da bebida, enquanto a letra não saía, Vinícius de Moraes, constrangido, disse achar que a música era plagiada de Frédéric Chopin, ao que Baden Powell respondeu: "Você que bebeu demais e está implicando comigo!".

Quem resolveu o imbróglio foi Lucinha, então mulher de Vinícius de Moraes, acordada às 3:00 hs da madrugada, já que era pianista e fã de Frédéric Chopin, para descobrir se a música tinha ou não sido copiada de uma obra do compositor polaco do século XIX.

Ao constatar que as notas realmente eram originais de Baden PowellVinícius de Moraes ficou sem graça e disse: "Então, Baden, Chopin esqueceu de fazer essa".

Questão solucionada, Vinícius de Moraes pôde, finalmente, sentar-se à máquina de escrever e de uma vez fazer a letra inteira da música "Samba em Prelúdio".


A história contada na íntegra por Baden Powell:
"Vinícius de Moraes foi mais que um pai pra mim. Foi um amigo que ficou inesquecível no coração da gente. Nós vinhamos muitas vezes aqui para Petrópolis acabar de compor as músicas, e numa dessas vindas eu cheguei na casa do Vinícius e falei assim:
- Olha Poetinha, eu fiz uma música e acho que essa música tem um negócio muito bom, e ela é uma música bem apaixonante, ela é cheia de amor e tal.
Eu toquei a música pra ele. Ele gostou, falou:
- Mas que música... vai dar uma letra de amor muito bonita!
Então pra começar nós arrumamos a mesa, botamos aquela garrafinha de whisky, o violão. Ficamos nós três ali, o violão, eu e Vinícius... e a garrafa também (risos). Nesta época nós enxugávamos bem uma garrafinha de whisky.
Quando foi lá pras tantas, três horas da manhã, nós estávamos já na terceira garrafa e eu cheguei perto do Vinícius e falei assim:
- Oh Vinícius, tá tudo bem, nós já estamos, acho, quase bêbados não é? E a letra do samba até agora não saiu não é Vinícius?
Ele falou assim:
- Não Baden, sabe o que é que é? Aconteceu uma coisa aqui e eu não quero te contar não. mas eu... eu vou deixar essa letra pra lá. Eu não vou fazer essa letra mais hoje não!
- Mas o que é que houve Vinícius?
- Não houve nada não, coisas...
- Não, mais agora você vai pois afinal de contas Vinícius, eu cheguei aqui nove horas da noite e n ós já tocamos essa música, já estamos na terceira garrafa e você vem dizer que não dá?
- Não, não... é uma coisa muito desagradável , depois eu falo!
- Não, nós estamos em quatro paredes, eu, você e tal... não tem mais ninguém, conversa de amigos, então conta o que aconteceu, o que é que houve?
- Não Baden, é uma coisa desagradável, não queria te falar, mas... o que acontece é o seguinte: Eu acho que essa música é plágio!
- Plágio? Porque você não me disse antes? Eu não tinha tocado tantas vezes até agora!
- É plágio Baden e depois não vai ficar bem, vai sair nos jornais: 'Baden e Viníciius plageiam'
Eu falei assim:
- Não Vinícius, tudo bem, essa música não é plágio, mas diga: Plágio de quem?
- Isso é claro Baden, isso aí é Chopin!
- Não Vinícius, eu conheço Chopin. Conheço os Prelúdios Noturnos de Chopin e não tem nada a ver com Chopin.
- Isso é Chopin, você não me engana, eu tenho ouvido Baden. Você não me engana, isso é Chopin. Você bebeu demais, talvez e tal... fez uma música e pensou que era sua e não é... você tava fazendo uma música de Chopin!
- Eu falei assim:
- Não Vinícius, eu acho que quem bebeu demais foi você. Você está implicando comigo!
Sabe quando a pessoa bebe demais, acende o cigarro do lado contrário, não amarra o sapato... aquelas coisas!
- Então eu vou acabar com essa dúvida. Eu vou chamar a minha mulher, a Lucinha, e ela vai te dizer se é plágio ou não, porque o compositor preferido dela e Chopin e ela toca piano, tem curso e tal!
- Não Vinícius, não vai acordar ela, são três horas da manhã... nós bebemos qualquer coisa né? Acordar ela agora? A gente tá com esse bafo de onça Vinícius... não tá direito!
- Não... não... não... não se incomode não! Ela já está acostumada!
Aí ele foi lá acordar. Ela veio na sala e disse:
- Boa noite! Vocês querem um café com leite?
Eu disse:
- Não... não... não mistura não... se não vai piorar a situação! (risos)
Aí o Vinícius disse:
- Toca a música Baden!
Eu toquei, toquei, toquei.
- Toca de novo!
Eu toquei.

Ela ficou olhando e disse:
- Afinal de contas essa música é uma beleza, é muito bonita, uma música romântica.
Aí o Vinícius ficou olhando assim pra ela falou:
- E você não diz nada?
- Nada o que Vinícius?
- Isso aí é Chopin!
- Não Vinícius. Isso aí não é Chopin, eu conheço as coisas de Chopin!
Aí o Vinícius ficou se graça e falou pra ela assim:
- Até você tá contra mim?
- Mas ninguém está contra você!
Aí ele ficou sem graça, ficou olhando e disse:
- Quer dizer que não é Chopin não, não é?
Aí ele chegou olhou pra mim e disse assim:
- Então Baden, Chopin esqueceu de fazer essa!
Aí ele foi pra máquina de escrever e de uma só vez, nunca mais esqueci, ele escreveu esta letra por inteiro!

(Baden Powell)



Samba em Prelúdio

Eu sem você
não tenho porquê
Porque sem você
não sei nem chorar
Sou chama sem luz
jardim sem luar
Luar sem amor
amor sem se dar

Eu sem você
sou só desamor
Um barco sem mar
um campo sem flor
Tristeza que vai
tristeza que vem
Sem você, meu amor
eu não sou ninguém

Ah, que saudade
que vontade de ver renascer nossa vida
Volta, querido
meus abraços precisam dos teus
teus abraços precisam dos meus
Estou tão sozinho
Tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida

Sem você, meu amor
eu não sou ninguém
Sem você, meu amor
eu não sou ninguém